domingo, 2 de fevereiro de 2014

E a Ferrovia chegou! Resende e a Estrada de Ferro Dom Pedro II
Julio Cesar Fidelis Soares[1]
Este estudo mostra a importância na economia agroexportadora cafeeira no município de Resende, que se beneficiando da conjuntura favorável daquele momento, coloca o café como centro dinâmico da sua atividade econômica, atraindo as forças econômicas - capitais e mão de obra - e provocando mudanças em todos os outros principais setores da sociedade, conseguindo trazer a mais moderna tecnologia do século XIX, a ferrovia, para melhor distribuição da riqueza de suas regiões operando mais uma vez mudanças na constituição das classes sociais, com o declínio de umas e a ascensão de outras.
Palavras-Chave: Café - ferrovia - economia - sociedade




O Brasil no século XIX era um grande produtor de produtos primários que acabavam indo parar na Inglaterra para negociar com resto do mundo.  Assim era necessária a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II(1858), pois o país necessitava dar escoamento à produção dos produtos agrícolas destinados à exportação e ao abastecimento interno das Províncias do Rio de Janeiro,São Paul e Minas Gerais. A idéia precursora remonta ao dia 1º de julho de 1839, quando o médico Thomaz Cochrane requereu a Assembleia Brasileira o privilégio exclusivo para organizar uma companhia que construísse uma linha férrea cujo traçado, começando na Pavuna e subindo a Serra do Mar, chegasse até Vila de Resende, acompanhando a margem do rio Paraíba. Mesmo tendo conseguido, em 1840, a concessão, Cochrane teve seu contrato rescindido, pois segundo historiadores solicitou adiantamentos de recursos e o projeto não teve andamento.
Somente após 15 anos a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II, feita aprovação de seus Estatutos ficou constituída a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II . Em agosto do mesmo ano, sob a direção do engenheiro Christhiano Benedicto Ottoni, foram iniciados os trabalhos de construção. O projeto previa uma via férrea que atravessasse alguns municípios próximos à Capital, seguisse pelo Vale do Paraíba e, daí as Províncias de São Paulo e de Minas Gerais através dos ramais. Foi inaugurada em 29 de março de 1858, com trecho inicial de 47,21 km, da Estação da Côrte a Queimados, no Rio de Janeiro. Esta ferrovia se constituiu em uma das mais importantes obras da engenharia ferroviária do País, na ultrapassagem dos 412 metros de altura da Serra do Mar, com a realização de colossais cortes, aterros e perfurações de túneis, entre os quais, o Túnel Grande com 2.236 m de extensão, na época, o maior do Brasil, aberto em 1864. Vencidos os maciços rochosos da Serra do Mar, a linha se bifurcou. O ramal chamado Linha do Centro seguiu em direção a Entre Rios (atual Três Rios). O ramal denominado Ramal de São Paulo, seguiu em direção ao Porto de Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), atingindo-o em 20 de julho de 1875.
  O primeiro trem de passageiros chega a Barra do Piraí a 9 de agosto de 1864. A ferrovia trás furor, é o progresso, assim segundo Whately(1987) o engenheiro Ottoni ,diretor da estrada de ferro publica no Jornal do Commercio  uma circular solicitando aos fazendeiros uma subscrição pública para terminar a 4ª seção e dizia:
“Não podendo o governo do nosso país já  e já prolongar a 3ª e 4ª secções da Estrada de Ferro Pedro II ,nem convindo suspender a continuação dos trabalhos pela perda do serviço já organizado,e que demorará talvez muitos anos a realização de um benefício vivamente reclamada pela rica lavoura desta e das províncias de Minas e São Paulo, resolvi fazer  a declaração impressa no Jornal do Commercio de 1º do corrente , na qual aponto os meios práticos de levar ao cabo obra de tamanha importância e para a qual chamo toda atenção de V.S. . A principal dificuldade consiste no alevantamento de capitais preciosos para a conclusão das obras e para este fim invoco diretamente a coadjuvação valiosa de V.S. na convicção de que se prestará a promover a reunião de pessoas de seu município e paróquias que se encarreguem de distribuir o maior numero possível de ações, de modo a poder juntar-se o capital indispensável. Nesta Corte, achar-me-á V.S. sempre pronto a receber suas ordens e disposto a empregar toda energia em facilitar os meios de levar ao fim a 3ª e 4ª secções de Estrada de Ferro Dom Pedro II,como muito convém à nossa Pátria e especialmente a este município . Sou com estima e consideração.”  C.B.Ottoni[2]

Tal chamamento não ficou sem resposta em Resende reunia a Comissão Municipal de Resende, compostas por notáveis como Dr. João Carneiro de Azevedo Maia, Francisco de Sousa Ramos, Domingos Gomes Jardim, Coronel GN Fabiano Barreto e Antonio Jose Dias Carneiro e se organizaram para gerenciar subscritores para financiar a grande obra, ligar Resende a Corte.
Este era um sonho que perambulava em algumas mentes resendenses desde o início do projeto e ainda mais quando os trilhos  da ferrovia chega em 1864 a Barra do Piraí, destaca-se dentre todos a figura do Alferes GN  Joaquim Antunes, amigo de Chisthiano Ottoni e compadre de Mariano Procópio, que era engenheiro chefe do serviço de locação. O Alferes desdobra-se em ações, palestras, viagens a Côrte, pois para ele a ferrovia é o progresso o futuro sobre trilho.
O Alferes Antunes na certeza de que os trilhos da Ferrovia Dom Pedro II chegaria e iria passar pelos Campos Elíseos, tratou de providenciar sob seu custo ao longo do traçado da via férrea uma rua que solicitou à Câmara que desse o nome de seu compadre Mariano Procópio e assim se fez. E faz mais doa 22 hectares de terra para o município a fim de preparar a cidade para o progresso com a abertura de novos logradouros próximo a passagem do trem.
E o certo é que no dia 27 de Outubro de 1872 irrompe pelos trilhos a verdade, a locomotiva denominada Exploradora que atravessando o pontilhão do Surubi,cuja construção segundo Maia(1891) teve sua obra iniciada em 1871 e que em ainda não estando totalmente pronta,a locomotiva Exploradora teve que transpor pela primeira vez o rio Paraíba através a serviço de lastros indo até o sítio dos Portinhos e  chega ao seu ponto final a Gare de Rezende.


Fig.1 – Foto de uma Máquina Baldwin típica da década de 70 do século XIX,é provável que as que operavam na E.F. D.Pedro II fossem bem parecidas com esta imagem.
A 19 de fevereiro de 1873 com a obra toda pronta, passa pela ponte do Surubi a Locomotiva Petrópolis[3], não segue, pois a obra da ferrovia ainda estava em andamento quando à ligação a estação de Boa Vista, obra esta que teria seu final em 1874. Ainda em 1874 se fez necessária em função da intensidade do tráfego na ferrovia a criação de uma estação intermediária entre Resende e Boa Vista e aí se resolveu construir a estação de Campo Belo. Tal estação segundo Bopp deveria ser construída na altura da Fazenda Itatiaia de propriedade do Comendador Rocha Leão, pois este se ofereceu a doar as terras para construção da Gare. Em função da freguesia de Sant’Anna dos Tocos ser grande centro de atividade econômica no campo da produção agrária com grande produção de café, fumo e outros cereais é que se achou por bem em maio de 1875 construir a estação de Nhangapi, região entre Campo Belo e Boa Vista, hoje respectivamente Itatiaia e Engenheiro Passos.
Nos idos da década de 1870 segundo o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial Laemmert o município de Resende era importante e estava ávido a receber as benesses do progresso pois tinha uma população de 25.000 habitantes divididos por suas freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre, São Jose do Campo Bello, Senhor Bom Jesus do Ribeirão de Sant`Anna, Santo Antonio da Vargem Grande e São Vicente Ferrer.  O almanaque ainda nos dá algumas características das terras resendenses :
“Sobre um terreno notavelmente accidentado, cujo solo em sua maxima parte se pode chamar argilo-ferruginoso, o município de Rezende produz o melhor café , excellente canna de assuçar, cereaes e legumes de toda espécie.  Nas planuras do Itatiaya abundão as pastagens nativas, offerecendo assim recurso naturaes para a criação de toda espécie de gado; algumas fructas da Europa como maçã , o marmelo [...] .”[4]
 É importante destacarmos também que em outro trecho do mesmo almanaque ele nos traz notícia do plantio de parreiras cuja produção de uvas era abundante, e que houve algumas tentativas de produção de vinho, que se assemelhava ao do Rheno só que muito mais aromático segundo os editores do almanaque.
Do núcleo urbano, a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, esta era vista em destaque por suas três colinas, cada uma com o seu templo a Matriz, Rosário e Senhor dos Passos. À margem esquerda do Rio Paraíba do Sul e em frente ao núcleo urbano encontra-se o bairro de Campos Elíseos que se ligava à cidade por uma ponte de madeira, neste bairro estava também localizada a estação da linha de Ferro D. Pedro II que ligava o município à corte.  Nesse período estimava-se que o número de habitantes da freguesia da “Cidade” era de 2.400 habitantes, que residiam numas 430 casas, construídas sem muita opulência.  O interessante é que ao estudarmos estes relatos vimos que muitas casas eram remanescentes do período inicial da constituição da Vila de N. S. da Conceição do Campo Alegre, pois nos foi relatadas da seguinte forma pelo autor do almanaque “[...] bem pouco sólidas, pelo uso ainda em voga dos antigos e condemnados baldrames de madeira[...]”[5].  Os edifícios que mais se destacavam eram a Matriz de N. S. da Conceição, o edifício da Câmara e Cadeia e a Santa Casa da Misericórdia localizada no bairro do Lavapés, o mais antigo bairro da cidade.
Mas na Resende nos idos da década 70 do século XIX nem tudo eram alegrias pela chegada da ferrovia as navegações foi uma vítima. Achamos no editorial do jornal Astro Rezendense[6] afirmando que era uma realidade a chegada da ferrovia, mesmo porque já se tinha a autorização para se programar um braço da Estrada Dom Pedro II, a Estrada de Ferro de Rezende a Arêas(ou Rezende-Bocaina). E alertava o editorial que a atividade de navegação fluvial empregava trezentos braços e alimentava mil e quinhentos indivíduos e a partir do aparecimento das ferrovias tal atividade estava desaparecendo o que causou um grande golpe nos trabalhadores que o editor chamou de “população fluctuante”. Em outro aspecto o editorial vai mais longe dizendo que Resende era um centro de parada e transito das pessoas que iam e viam da corte para interior e vice versa e que ao findar esta atividade que era complementar na estrutura de transportes fez cessar completamente tal atividade gerando um golpe que o autor classifica como “mortal” para economia da região, gerando do ponto de vista imobiliário queda de aluguel e desvalorização dos imóveis.
Dentre os reclames sobre a chegada da ferrovia existe um que publicado em Outubro de 1872 demonstra bem como realmente afetou a economia local. O Major da Guarda Nacional João Baptista Brasiel diz em editorial:
“ É incontestavelmente uma grande alavanca de progresso a communicação dos centros  de producção para o litoral por via férrea;é também uma verdade incontestável que a estrada de ferro de D. Pedro II não tenha trazido ao paiz o beneficio que a lavoura e o commercio tem o direito de esperar de um melhoramento dessa ordem.  Três são as principais questões econômicas que devem ser resolvidas favoravelmente pelo transporte  por uma via férrea :  1ª diminuição do preço do frete; 2ª brevidade no transporte; 3ª bom acondicionamento nos gêneros para não soffrerem avarias ou qualquer deterioramento em suas qualidades.  Teremos conseguido todos estes melhoramentos ou ao menos alguns delles com a via férrea  D. Pedro II? (sic)

Fonte: Arquivo  Histórico  Municipal –Resende-RJ
De outro modo vemos como a ferrovia ajudou a melhorar o transporte da maior riqueza da região, o café, e isto é o que nos diz  a Ata da Câmara Municipal de Resende datada do mês de setembro de 1875.
“Considerando um terço desta exportação pertencente à Província de São Paulo,segue –se que Resende concorria com 2.727.502 Kg . De 1º de janeiro a 30  de setembro último a exportação foi de 2.299.640 Kg , faltando ainda o quarto e o último trimestre com o qual se elevará sem dúvida a 3.000.000 Kg . Atendendo,pois,à área cultivada , ao pessoal empregado na  lavoura e à exportação conhecida,pensa a Comissão que a exportação anual do município deve ser de 8.600.000 Kg pelo menos, sendo toda ela para o mercado da Côrte.”[7]
Não há duvidas que a ferrovia trouxe com todo seu aparato uma nova dinâmica econômica,social e cultural para esta região que por muito tempo foi chamada dos sertões de serra acima lugar ermo de sociedade conservadora tradicional avessa ao progresso que veio através do trem de ferro monumento inquebrável da nova economia que queria mais e mais, que não perde tempo na lentidão bucólica das cargas em lombo de tropas, no romântico transporte fluvial que marcou toda uma época. Agora devemos entender que o café e seus elementos do progresso não deu ao Vale do Paraíba o desenvolvimento econômico, trouxe sim o crescimento econômico enquanto durou os cafezais, entretanto, a ferrovia legado da produção fez a integração de Resende aos grandes centros bem como com todo o Vale do Paraíba.


Referências Bibliográficas:
Arquivo Público de Resende, Fundação Casa de Cultura Macedo Miranda, acervo documentação da Câmara Municipal de Resende.
Jornal Astro Resendense de 15 de junho de 1873.
Jornal Astro Resendense de 13 de Outubro de 1872.
BOPP, Itamar.  Casamentos na Matriz de Resende.  Instituto Genealógico Brasileiro, 1971.
____________. Notas Genealógicas.  São Paulo: Gráfica Sangirardi, 1987.
BURLAMAQUE, F. L. C. Monografia do cafeeiro e do café.  Rio de Janeiro: Tip. N. L. Viana & Filhos, 1860.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1970.
LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
____________. História da agricultura Brasileira: combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MAIA, João de Azevedo Carneiro. Do descobrimento do Campo Alegre à criação da Vila de Resende. 1891. [Reed.]1986.
____________. Notícias históricas e estatísticas do município de Resende desde a sua fundação. Rio de Janeiro, 1891.
MAGALHÃES FILHO, Francisco de B. B. de. História econômica. São Paulo: Saraiva, 1982.
PEREIRA,Waldick. Cana, café & laranja: história econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro: FGV/SEEC, 1977.
SODRÉ, Alfredo.  Resende, os cem anos da cidade. 1901.S.ed.
VASCONCELOS, Clodomiro de.  As estradas antigas de transporte de café no Estado do Rio. In: O café no segundo centenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1944. V. 2.
VIANA, Oliveira.  Hegemonia do Vale do Paraíba. In: O Café no segundo centenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1934. V. 2.
WHATELY, Maria Celina. O café em Resende no século XIX. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.
  _________, Maria Celina. Resende, a cultura pioneira do café no Vale do Paraíba. Niterói-RJ: Gráfica La Salle, 2003.
ZALUAR, Emilio.  Peregrinação pela província de São Paulo, 1860-61. São Paulo, 1953.         
Referências telematizadas:
Almanaque Laemmert. 1845-1885.  Brazilian Government Document Digitization Project. Disponível em: <www.crl.edu/content/almanak2.htm>.
http://www.aglimpse.com/images/tr/tr419.jpg BALDWIN LOCOMOTIVE WORKS. Ca. 1870's 5" x 8" albumen image on 7" x 10" mount. Printed text of Baldwin Locomotive Works, Burnham, Parry, Williams & Co. Philadelphia. Broadside view of the "Meteor" of the L.I.R.R. (Long Island R.R.), along with its tender. Beautiful view, slight edge chipping at corners. (Tr.419)acessado em 25/03/12.



[1] Professor Mestre em História Social, Economista, membro do IEV-Lorena-SP, da Academia Resendense de História e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil. Professor do Centro Universitário Geraldo Di Biasi – Volta Redonda.RJ / Professor do Instituto Tereza D’Ávila – UNISAL – FATEA – Lorena.SP
[2] Jornal do Commercio 2 de Setembro de 1866, reproduzida pelo Astro Rezendense.
[3] Neste ponto existem discrepâncias  pois segundo o Cel. Alfredo Sodré: “o certo é que em fevereiro de 1873, a primeira locomotiva a Princesa Imperial – alcançava, silvando estrepitosamente, a estação de Resende, em Campos Elíseos”.In : Resende, os cem anos da cidade. Jornalista, Maçon,Coronel da Guarda Nacional, foi editor do jornal “O Tymburibá”, redator do jornal “A Lira”, primeiro prefeito eleito de Resende em 1922,Tabelião do 1º oficio de notas e  Provedor da Santa Casa de  Misericórdia.Condecorado pelo Grão Mestre Geral da Ordem com Medalha de Ouro de Benemérito da Ordem.(é1865U1955).
[4] Almanak Laemmert, edição 1874, Município de Rezende, p.125.
[5] Idem, Almanak Laemmert, edição 1874, Município de Rezende.
[6] Jornal Astro Resendense de 15 de junho de 1873 ed.Nº.4 Anno VIII - Arquivo Histórico Municipal.
[7] Coleção Atas da Câmara Municipal de Resende- ano 1875- Arquivo Histórico Municipal.

Um comentário:

  1. Documento importante para nós, os resendenses, guardarmos.
    Saudades da minha terra.
    L. Stella Dias Carneiro S. Mello

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