Julio César Fidelis Soares[1]
Palavras-chave: Transporte; Café;
Economia
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Ponto
importante para iniciarmos este estudo é ir buscar as origens do antigo arraial
de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova (que foi o nome
primitivo de Resende), e que deu os seus sinais de vida lá pelos anos de 1747 e
passou a se chamar Vila de Resende [2].
As primeiras mudas de café trazidas pelo padre Couto[3] da
fazenda do holandês Hoppman no Rio de Janeiro, foram plantadas como experiência
na região de São Vicente Ferrer (atual vila da Fumaça), mais precisamente na
Fazenda Monte Alegre, depois de confinar os índios Puris na aldeia de São Luiz
Beltrão, próximo do mesmo lugar que começaram a plantar os cafezais.
Os motivos que explicam o fato de ser Resende o centro
irradiador do café pelo Vale do Paraíba podem ser muitos e, até hoje foram
pouco estudados. Dentre esses estímulos prováveis, podemos citar: a) os
aspectos geográficos da região do "Campo Alegre" (Resende), que
apresentava uma boa baixada, um solo propício e um clima favorável; b) a
proximidade do Rio de Janeiro, que funcionaria como porto para a exportação; c)
a atuação estimulante do Marquês do Lavradio, representante do governo de D.
João VI que, a partir de 1772, dispensou do serviço militar os habitantes da
região que plantassem café. Portanto, todos esses elementos uniram-se para
criar as condições necessárias à chegada do café por essas paragens.
Em 1802, Resende já era exportadora de café e, a partir
daí, a região sofreria uma grande mudança. O início do reinado do café começou
mudando, aos poucos, toda a economia da região. Se até antes da chegada do
café, os poucos habitantes do arraial e redondezas do "Campo Alegre"
plantavam e beneficiavam de cana-de-açúcar, cuidavam de plantações de anil,
criavam algum gado (vendendo carne para Minas e Rio), tudo, a partir do século XIX,
estaria sujeito à novidade cafeeira. Antigas fazendas de gado, engenhos de
açúcar e cachaça, plantações de anil, passavam a plantar. Outras plantações como
as de milho, feijão, arroz e mandioca passaram a alimentar as fazendas de café
e as sedes dos núcleos urbanos dentro de um sistema de apoio e subsistência. Entretanto
o café já impunha o seu poder quase absoluto como cultura comercial destinada à
exportação.
Quando a Vila de Resende passa a ser considerada como
cidade em 1848 [4], a
região resendense já se destacava como um dos maiores centros cafeicultores da província.
Já estávamos no Segundo Império e o reinado de D. Pedro II esteve marcado pela
expansão do café pelo Vale, salvando, progressiva e lentamente, o Império da
falência financeira econômica que estava sujeito após a Independência. Ao
falarmos em Império devemos sempre nos lembrar do café, em um outro aspecto
fundamental, ter garantido para Império seu sustento político através das
elites agrárias e na escravidão negra como força motriz da economia agroexportadora.
Confirmada pela Constituição de 1824, garantindo
o tráfico até 1850 e possibilitando a compra maciça de mais braços para lavoura
do café.
No entanto, apesar de toda essa euforia cafeicultora, a
região de Resende nunca ocupará o lugar de maior produtora de café da Província
do Rio de Janeiro. Resende foi grande
centro produtor, mas não o maior. Mesmo que no início do século XIX, seja a
Vila de Resende o centro irradiador do café, espalhando-o por todo o Vale do
Paraíba, será Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, Barra Mansa e Piraí que
possuirão as maiores fazendas e também a maior produção.
Uma das maneiras de compreender este fato é comparar o volume
de pequenos e médios produtores face aos de outras regiões do vale.
Estudo quantitativos referentes ao número cafeicultores listados no
porto
de Angra dos Reis 1868[5]
Fonte: Nosso estudo apud Pereira,
Waldick, Cana, café & laranja: historia econômica de Nova Iguaçu. Rio de
Janeiro 1977.Anexos
Porém, sabemos que neste mundo comercial do café Resende era uma praça
agitada fazendo nos primórdios o abastecimento da corte através das rotas dos
tropeiros que se dirigiam para as Minas Gerais vindo do litoral e vice-versa. Nos
primeiros momentos o transporte do café de nossa região era feito através do
carregamento pelos escravos que iam a pé pelas trilhas tropeiras, mais adiante
passou-se a usar o carro de boi que embora lento carregava mais sacas. Logo o
café também se mostrou um produto lucrativo como carga para os tropeiros e aí
tínhamos tropas e mais tropas carregando o ouro verde da região do Vale do
Paraíba.
Nesse ambiente da produção cafeeira que surge a ideia de transportar mais
café até o porto de forma talvez mais rápida em grande quantidade. Buscamos o
relato de João Maia que referencia em sua obra a primeira tentativa de
transporte fluvial pelo Rio Paraíba carregando café:
“Chegando a Estrada de Ferro de Pedro II
à Barra do Pirahy, José de Souza Azevedo, natural da cidade de Barra Mansa, emprehendeu
pela primeira vez a navegação do rio Parahyba em um barco de fundo raso, à
semelhança dos que sulcam o rio Douro, com onze metros de popa à prôa e três de
largura; partindo d´aquella cidade a 20 de Janeiro de 1860...” [6]
Fomos então buscar visualizar o que foi descrito por Maia no trecho
citado acima e em nossas pesquisas iconográficas chegamos à imagem que
apresentaremos abaixo. Segundo o que pesquisamos o barco de fundo raso do
D`ouro é denominado barco Rabelo é um barco de espadela[7] -
ramo que governa o barco e está sujeito a um eixo tornel. Possui, ainda, dois
remos de cada lado e fundo chato - o sagro - constituído por um número ímpar de
tábuas. Tem forma lenticular. Há autores que defende uma origem Sueva, outros
Visigótico ou até Viking[8].
Transportava vinho, lenha, madeira, carvão, fruta, palha, batata e outras
mercadorias; ou seja, é tradicionalmente um barco de transporte de mercadorias de
vias fluviais.
Fig. 1 – Imagem de Barcos Rabelo às
margens do Rio D´Ouro, Portugal.
João Maia relata ainda que em uma publicação do Astro Resendense de 15 de agosto de 1868 foi publicado um artigo
assinado pelo Dr. Joaquim dos Remédios Monteiro elogiando o ato venturoso de José
de Souza. Em outro trecho de sua obra
ele nos diz que em Resende um espanhol de nome João Vasques foi o primeiro que
construiu e pôs a navegar no rio um barco.
Estes barco segundo João Maia podiam transportar de 700 até 1000 arrobas
e que chegaram a mais de 60 o número de embarcações que faziam o transporte
pelo rio Paraíba desde Resende até como ele diz “Barra do Pirahy”.
Fig.2 – Pintura ilustrando
transporte por barcas,“Partida de uma monção” - Almeida Júnior. Batelão no
século XIX. A ilustração nos traz logo a lembrança das ribeiras do velho Paraíba
do Sul.
Assim ao pesquisarmos os registros
sobre a navegação no Rio Paraíba partindo da praça cafeeira de Resende,
chegamos ao registro do nome
de João Vasques como proprietário de Barcos no Rio Paraíba, tal referência
consta do Almanack Laemmert do ano se 1863, onde apresenta mais 15 outros nomes
como proprietários de embarcações. Dentre esses chamou-nos a atenção a vinculação
da propriedade de embarcações com “casa
de commissão de café” e “Productos de
Minas” cujos proprietários citados são: Antonio José da Costa, Francisco
Gomes Leal, Alferes Francisco da Rocha Bernardes e o também Alferes Joaquim
Rodrigues Antunes. Um outro aspecto que devemos observar é que esse tipo de
meio de transporte veio baixar os custos da economia de abastecimento entre
nossas cidades do Vale do Paraíba dando também velocidade no suprimento de
gêneros e no abastecimento da região e da corte com produtos vindo das minas.
Segundo ainda João Maia, até o ano 1873, quando chega a Resende a Estrada
de Ferro D. Pedro II, todo o transporte de carregamento era feito por via
fluvial através dos já famosos barcos do Rio Paraíba. Ele nos brinda ainda com
a seguinte comparação do ponto de vista econômico:
“...o preço do frete, que para os portos de Jurumerim
e Ariró importava 2$ por arroba, além de 5 a 6 dias de demora na viagem das
tropas, ao passo que pelo rio o trajecto se fazia até Pirahy em 24 horas, e o
frete não excedia de 400 rs por arroba.” [9]
Entretanto, sabemos que ninguém para ou parou o progresso e em 9 de
agosto de 1864 chega a Barra do Piraí a primeira composição com passageiros.
Eram os ecos do progresso chegando ao porto das barcas de café. Então, pelos
idos de 1869 um proprietário de terras e barcos, o Alferes Joaquim Rodrigues
Antunes, resolveu bancar em suas terras uma terraplanagem que poderia servir
bem para um traçado de passagem de uma linha ferroviária. Cedeu ele ainda outra
parte de suas propriedades para construção de uma estação e um pátio de
manobras. E assim segundo o Cel. Alfredo Sodré: “o certo é que em fevereiro de
1873, a primeira locomotiva a Princesa
Imperial – alcançava, silvando estrepitosamente, a estação de Resende, em
Campos Elíseos”.[10]
Fato que acabou por constituir uma lenta e certa paralisação da atividade do
transporte fluvial do rio Paraíba do Sul. Em nossas pesquisas vimos que nos
primeiros anos da década de 60 do século XIX é que se constituiu o período
áureo deste tipo de atividade econômica que apoiava a produção cafeeira. O que
apresentamos através do gráfico abaixo construído a partir de nosso levantamento.
Gráfico 1- fonte: Almanaque Laemmert – 1862 até 1866
A importância da
navegação fica patente e é reforçada a partir de um dos documentos da Câmara
Municipal registrado em ata do dia 27 de novembro de 1861 onde apresenta a
importância deste meio de transporte para economia cafeeira de Resende bem como
ainda a intenção de melhorias no desenvolvimento de tal meio. Assim
apresentamos abaixo a transcrição de um trecho da ata.
[...] com a falta do nosso primeiro ramo de exportação
o café – faltando este falta o dinheiro:não há neste município industria alguma
,ou fábricas dignas de menção. Quanto as medidas para nosso
desenvolvimento,entende a Comissão ,que a primeira e a mais vital necessidade
deste município é o melhoramento de nossa navegação fluvial: o rio Parahiba
,pois onde ella é feita, tem algumas cachoeiras e passos difficeis e
perigosos,que demandão promptos serviços para facilitar a navegação;não
obstante este incaminhamentos ,já a exportação e importação vai sendo quase
toda feita pelo Parahiba , por meio de barcas,o que he de incontestável
vantagem. Com qualquer melhoramento no Parahiba quebrando-se algumas pedras,
recuando outras e limpando-se huma das margens não só será mais fácil e rápida
a navegação, como ainda menos despendiosa e sobretudo menos perigosa.[...][i]
Outro elemento que corrobora quão foi importante a navegação, achamos no
editorial do jornal Astro Rezendense[ii]
dizendo que era uma realidade a chegada da ferrovia, mesmo porque já se tinha a
autorização para se implementar um braço da Dom Pedro II a Estrada de Ferro de
Rezende a Areas. Mas alertava o editorial que a atividade de navegação fluvial
empregava trezentos braço e alimentava mil e quinhentos indivíduos e a partir
do aparecimento das ferrovias tal atividade estava desaparecendo o que causou
um grande golpe nos trabalhadores que o editor chamou de “população
fluctuante”. Em outro aspecto o editorial vai mais longe dizendo que Resende
era um centro de parada e transito das pessoas que iam e viam da corte para
interior e vice versa e que ao findar esta atividade que era complementar na
estrutura de transportes fez cessar completamente tal atividade gerando um
golpe que o autor classifica como “mortal” para economia da região, gerando do
ponto de vista imobiliário queda de aluguel e desvalorização dos imóveis.
Concluímos dizendo que já em 1872 o Astro Rezendense dava os prenúncios
do final da atividade de navegação e fazia um severa crítica mostrando que a
ferrovia não havia trazido o barateamento dos fretes como era o esperado para
economia local, muito pelo contrario, talvez pela rapidez passou a cobrar valores não tão vantajosos e
ainda desmobilizou muitos setores que viviam da integração do transporte
terrestre com o fluvial.
Fig.3 - O Astro Resendense,13 de outurbro de 1872,acervo Arquivo Histórico de Resende.
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Figura 1: Barco do Douro
(rabelo). Disponível em: <http://cidadesurpreendente.blogspot.com/2005/08/actualizada-arquitectura-do-rabelo-com_30.html>.
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[1] Mestre em História Social, Professor do Curso de Ciências
Econômicas das Faculdades Dom Bosco, cadeiras de História Econômica, Formação
Econômica do Brasil, História do Pensamento Econômico e Desenvolvimento
Econômico. Professor do Centro Universitário Volta Redonda, Curso de Serviço
Social.
[2] Em homenagem a D. José Luís de Castro, 2° Conde de Resende, que foi Vice-Rei do Brasil
por onze anos, de 9 de maio de 1790 a 14 de outubro de 1801, na mesma
ocasião em que o café começa a ser plantado por aqui em 1801.
[3] Padre Antônio
Couto da Fonseca, proprietário da "Fazenda do Mendanha" cujo nome se
deve ao primeiro proprietário e poderoso senhor de escravos e grande produtor
de açúcar e café, Luiz Vieira Mendanha, passou por mãos sucessivas até ser
comprada por Padre Couto, que foi o grande protetor do sábio Freire Alemão, que
iniciou sua vida como sacristão, na capela da Fazenda do Mendanha, onde
aprendeu os primeiros rudimentos de latim com Padre Couto.
[4] Elevação da Vila à Cidade de Rezende: Decreto 438 de
12/07/1848 com a promulgação pela Assembléia Provincial no dia 06/07/1848. A
resolução foi sancionada a 12/07/1848, pelo Chefe do Governo Provincial
(Visconde de Barbacena). Foi publicada na imprensa oficial no dia 13/07/1848. Fonte: acervo documentação da Câmara
Municipal de Resende – 1848.
[5] Este quadro foi composto e ordenado levando em
consideração a produção apresenta por cada cafeicultor junto à mesa coletora
conforme apontado pelo pesquisador Waldick
Pereira, a partir do qual fizemos a classificação e tipificação em pequenos,
médios e grandes produtores.
[6] MAIA, João Carneiro de Azevedo: Notícias históricas e estatísticas do município de Resende desde a sua fundação.
Rio de Janeiro, 1891[S/Ed] p. 307.
[7] Remo comprido e largo que faz às vezes de leme nos
barcos ou azurrachas do Douro.
[8] Barco do Rio Douro – História. Disponível em <www.geocities.com/j.aldeia/barcos/barcosriodouro.htm
>. Acesso em: 4 maio 2009.
[9] MAIA, João Carneiro de Azevedo. Notícias históricas e estatísticas do município de Resende desde a sua
fundação. Rio de Janeiro, 1891 [s/Ed.]. p.308.
[10] SODRÉ, Alfredo. In: Resende, os cem anos da cidade. Jornalista, Maçon,Coronel da Guarda
Nacional, foi editor do jornal “O Tymburibá”, redator do jornal “A Lira”, primeiro
prefeito eleito de Resende em 1922,Tabelião do 1º oficio de notas e Provedor da Santa Casa de
Misericórdia.Condecorado pelo Grão Mestre Geral da Ordem com Medalha de Ouro de
Benemérito da Ordem.(é1865U1955).
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