I - O Arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre do
desbravamento a ocupação.
Nos princípios do século XVII, João
Siqueira Afonso, bandeirante de Taubaté, transpôs a Serra da Mantiqueira e
ganhou as terras mineiras em busca de ouro.
Em 1702 descobre as Minas do Sumidouro, e continuando sua caminhada
descobre as Minas de Guarapiranga em 1704 (cidade de Piranga). Seguindo o Rio
Grande vai dar na Serra dos Papagaios (1706) fundando o arraial de Ayuruoca[1] . Ayuruoca
é uma alusão a um penhasco redondo e elevado aos ares, sobre um dos altos
montes daquele lugar, em que os papagaios faziam moradas como já havíamos dito em nota. Em 1717 a coroa concede a Dom
Brás Baltazar da Silveira uma sesmaria, e nela iniciaram-se as atividades
agropecuárias. Em 1726, a boa qualidade das
terras e a previsível exaustão das catas e garimpos, levaram Manoel de Sá,
também, a obter da Coroa Portuguesa uma sesmaria de meia-légua.
A partir daí que se voltam os
interesses de exploração da região do Vale
do Médio Paraíba que passa ser notada com a presença de Garcia Rodrigues Paes
Leme, um dos primeiros bandeirantes a se fixar aqui região, por volta de 1715,
quando obteve de D. João V a doação da terra. Terras essas habitadas pelos
índios Puris.
Em 1744 Simão da Cunha Gago, bandeirante paulista, conseguiu do
Governador Luís de Mascarenhas, licença para formar uma expedição que abriu
caminhos pela mata virgem, chegando numa planície rodeada de montes, local que
batizou de Campo Alegre da Paraíba Nova. A escolha do local deveu-se a fortes
motivos de ordem econômica e geográfica, que influenciariam o desenvolvimento
da região. Zona de amplo horizonte, num local bem servido de água pelos
afluentes do Paraíba, colocada estrategicamente a meio caminho das rotas que se
cruzava em demanda do Rio, São Paulo e Minas Gerais, no período de extração
aurífera.
O povoado que aos poucos se formou
ficou conhecido como Campo Alegre da Paraíba Nova, transformando-se três anos
depois em Nossa Senhora
da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova. Em 29 de setembro de 18 01 passou a ser
vila alterando, inclusive seu nome para Resende em homenagem ao Conde de
Resende. Sua titulação para cidade ocorreu em 1848, já devido a sua grande
importância econômica dentro do Vale do Médio Paraíba eqüidistante dos
principais centros econômicos do país Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nestes
campos encontramos o velho caminho dos Bandeirantes, que deu origem a cidades e
vilas como Baependi, Bocaina de Minas e Aiuruoca. É de Aiuruoca que segundo
narra Monsenhor Pizzaro de Araújo[2]
que, o Coronel Simão da Cunha Gago mudou sua residência de São Paulo de
Piratininga para o sítio da Lagoa de Ayruoca, na província de Minas
Gerais. Aí se ajustou com outros
povoadores do sertão de sua vizinhança, para pesquisar ouro e diamantes,
descendo em 1744 a
Mantiqueira, logo avistando uma campina extensa e aprazível ali estabeleceram
seus domicílios, tendo em sua companhia o Padre Filipe Teixeira Pinto. Em 12 de maio de 17 47
obtiveram provisão para o uso de altar portátil, sob o amparo de Nossa Senhora
da Conceição do Campo Alegre[3].
E por Alvará Régio de 2
de janeiro de 17 57 a Capela curada foi elevada a Matriz, com
párocos próprios, tendo assim predicado de freguesia.
Simão
Cunha Gago é o primeiro a ver a bacia terciária de Resende, encaixada no vale
arqueano do rio, a qual, por seus peculiares fatores geológicos apresenta um
solo menos fértil para o adensamento florestal, desdobrando cerrados ou longos
campos descobertos; origem do nome do arraial edificado pelo coronel Cunha
Gago. Arraial este que é responsável
pela abertura de um novo caminho das Minas Gerais para o Rio de Janeiro, logo
proibido por ordem régia.[4]
A Vila de
Resende sempre teve ligado seu passado histórico ligado à presença da Igreja
Católica na figura de seus Párocos. Figuras devotadas ao povo e aos santos
ofícios mostraram com dedicação e sem descanso suas iniciativas às vezes até
polêmicas, apresentando autoridade não só nos assuntos eclesiásticos, bem como
nos políticos os de cunho social e geral da sociedade que arrebanhavam.
Desde os tempos de
freguesia Resende teve párocos próprio sendo o primeiro Padre Felipe Teixeira
Pinto, que erigira a primeira capela sob proteção de Nossa Senhora da
Conceição, em 12 de maio de 1747. Por provisão eclesiástica de 12 de maio do
Ordinário do Rio de Janeiro por ordem do Bispo Frei Antonio de Guadalupe.
O Padre Filipe foi cura
da capela de Nossa Senhora do Rosário de Airuoca na província de Minas Gerais.
A antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição era muito extensa. Segundo
Monsenhor Pizzaro de Araújo, a linha divisória da freguesia atingia ao norte
pela freguesia de Airuoca, do Bispado de Mariana, pelo rio Paraúna, a leste a
Paróquia de Sant’Anna do Piraí; ao sul pela Comarca de Sant’Anna da Areias do
Bispado de São Paulo, e a oeste, o mesmo Bispado por um lado e por outro
novamente o de Mariana, servindo de linha divisória a Serra da Mantiqueira. Daí a razão da Paróquia de Resende contar com
dezenas e dezenas de Padres, Coadjutores, curas, capelães e encomendados
nomeados pelos Párocos para ajudar nos trabalhos da Paróquia.
Resende deve muito a esses homens da Igreja
que no passado abriram através do seu conhecimento eclesial e leigo os caminhos
para o progresso do Curato, da Freguesia, da Vila e por fim da Cidade de
Resende. Assim nosso primeiro vigário tem sua nomeação oficial em 13 de
Dezembro de 1759. Confirmada por El Rey Dom Jose I, que faz saber ao Reverendo
Bispo do Rio de Janeiro, membro do conselho real, estando vaga a função na
Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre. Que por informação do
Padre Antonio Francisco Bittencourt, resolve por boa informação nomear Padre
Filipe Teixeira Pinto, Presbítero do hábito de S.Pedro, para serviço de Deus na
dita Igreja. O segundo Vigário foi Padre Henrique José de Carvalho, remodelou e
ampliou a Igreja Matriz, introduzindo novos altares para devoções, assim como
um destinando a imagem da Padroeira, que pertenceu a Bandeira de Simão da Cunha
Gago fundador da Vila. Padre Filipe colocou então, em prática os princípios da
doutrina cristã, determinando aos demais párocos o ensino do Catecismo Romano,
sobretudo a devoção mariana.
Fig.1
Imagem de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova
pertencente ao altar portátil de Simão da Cunha Gago , sobre responsabilidade e
guarda do então capelão da expedição Padre
Felipe Teixeira Pinto (1747). Madeira Policromada, origem Portugal séculos XVII
/ XVIII(?). Fonte: foto Fernando Lemos 2009
II - A Imagem de Nossa
Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova e sua representatividade
social.
Sabemos muito bem o que significa
conceitualmente a arte sacra: é aquela arte religiosa que tem um destino de
liturgia, isto é, aquela que se ordena a fomentar a vida litúrgica nos fiéis e
que por isso não só deve conduzir a uma atitude religiosa genérica, mas há de
ser apta a desencadear a atitude religiosa exigida pela Liturgia, quer dizer
para o culto divino. Entretanto há na verdade entre as várias expressões de fé
consubstanciadas nas imagens de culto litúrgico como a de Nossa Senhora da
Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova, objeto alvo de nosso estudo, um
caráter de extrema importância em conjunto com aspecto religioso a sua dimensão
histórica e social, pois ela marca representatividade social da Igreja e seus
membros como elementos ativos no
processo de desbravamento e consolidação dos sertões brasileiros do século
XVIII . Ao relatarmos um pouco da história do Arraial de Nossa Senhora da Conceição do
Campo Alegre podemos entender o valor não só representativo da imagem como
elemento de fé e religiosidade, mas bem como seu valor imaterial do ponto de
vista cultural significando um marco no processo de colonização e evolução de
toda a sociedade do Vale do Paraíba Fluminense.
III – Características da imagem de N. S. da Conceição do Campo Alegre
A
imagem guarda os seguintes pontos característicos segundo especialistas em arte
sacra madeira policromada provavelmente de origem portuguesa (? Séculos XVII ou
XVIII), porem existe a hipótese de ter sida confeccionada no Brasil, pois
lembramos que nesta época de 1747 o Arquiteto Francisco Xavier de Brito deu
início as decorações da Igreja de Nossa Senhora do Pilar em Vila Rica(Ouro
Preto) ponto marcante do auge do arte sacra uma vez que a demanda por objetos litúrgicos
pelas irmandades e pessoas de posse era grande. Vê-se nitidamente que é uma
estátua de madeira recoberta por camada de gesso e argila africana, sobra a
qual se aplicava a lâminas de ouro como vemos nos detalhes do manto. Por fim
pintava-se a peça, conforme técnica tipicamente do barroco brasileiro, antes de
secar a peça desenhava-se com estilete descobrindo o ouro previamente colocado.
Sobre o ouro ou prata era
aplicada a tinta, óleo ou têmpera oleosa, e para que o metal precioso
subjacente aparecesse à tinta era removida nas partes necessárias com estiletes
ou com um penteador, o que possibilitava o desenho de intrincados padrões
florais ou abstratos, imitando brocados e bordados de tecidos verdadeiros,
dando à imagem um aspecto suntuoso, como era o gosto barroco. As imagens de
Nossa Senhora são umas das peças mais demandadas pois dentro da tradição
Católica Portuguesa trazida ao Brasil, Nossa Senhora é padroeira e zelosa
guardiã dos feitos português nas terras do Brasil. Sempre representada com o
manto azul e branco conforme tradição mariana, nossa imagem não foge ao padrão
tradicional,vemos também brocados feitos em pintura áurea. A base feita na
forma de esfera celeste temos rostos de querubins e transpassando tal esfera a
lua crescente que sobre ela transcende a Stella Maris, Stella Mater ou Regina
Coeli ou seja a própria Nossa Senhora da Conceição. As mãos da imagem tem um ar
fino e rechonchudo dando um significado de mulher saudável, seu rosto fino nos
traços e de olhos grandes feito de vidro no traz um ar piedoso tanto no olhar
quanto na posição da cabeça encimada por uma coroa de prata. Sobre a testa verificamos uma pinta que não
sabemos identificar se é um descascamento natural ou um simbolismo indiano do
terceiro olho, talvez nos levando se for característica original da imagem a
uma origem nas índias portuguesas principalmente se observamos a posição de mãos
posta e a torção típica das imagens de origem indiana fazendo o “namastê”.
fig.3- Nossa Senhora da Conceição vista da Coroa de Prata - foto Fernando Lemos 2009.
fig.3 - Nossa Senhora da Conceição detalhe do rosto e manto da cabeça e olhos - foto Fernando Lemos 2009.
fig.4 - Nossa Senhora da Conceição vista do dorso médio - foto Fernando Lemos 2009.
fig.5- Nossa Senhora da Conceição vista da base com os querubins e Lua - foto Fernando Lemos 2009.
fig.6 - Nossa Senhora da Conceição vista do detalhe do manto com pintura a ouro - foto Fernando Lemos 2009.
fig.7 - Nossa Senhora da Conceição vista das mãos - foto Fernando Lemos 2009.
fig.8- Nossa Senhora da Conceição vista geral do rosto com detalhe da "pinta" - foto Fernando Lemos 2009.
Vimos
então que desde a sua fundação como Arraial de Nossa Senhora do Campo Alegre da
Paraíba Nova nos idos de 1744, Resende teve e tem papel preponderante na
história da região do Vale do Paraíba uma vez que sempre esteve a partir de sua
fundação nas rotas de abastecimento e apoio das caravanas que se deslocavam no
seu ir e vir da costa aos sertões fazendo-se de extrema importância estratégica
dentro da logística não só do período bandeirista dos séculos XVII e XVIII
quando das empreitadas sertão adentro em busca de índios e, sobretudo na
procura de mananciais auríferos das Minas Gerais. Por fim, dizemos que tudo se
encaixa na saga do desbravamento dos sertões na procura de uma passagem através
dos contra fortes da Mantiqueira, onde nessa dinâmica vemos a importância dos
desbravadores como Simão da Cunha Gago e de sua Imagem Padroeira-Peregrina de
Nossa Senhora da Conceição para
sociedade que temos hoje e para todas as cidades fronteiriças dos estados de
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais que acabam partilhando uma História
comum fazendo surgir centenas de capelas e igrejas sob os auspícios de Nossa
Senhora da Conceição.
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Fontes
telematizada:
Arte Sacra –
acessado 12/7/2010 18:15:40 in : http://www.artesacra.com.br/index.php
[1] Etimologia: casa de papagaio
[2] Pizarro, José de Sousa Azevedo. Memórias Históricas da Província do Rio de
Janeiro, 1820.Taunay dá a chegada de Cunha Gago e expedição ao Campo Alegre por
volta de 1740 oriundo de Aiuruoca – Hist.do café no Brasil,vol.II,p.141.
[3] Vide anexo I
imagem trazida por Simão da Cunha Gago em 1747 pertencente a Paróquia
de N.S.da Conceição.Resende-RJ
[4] “A ordem de 9 de abril de 17 45 proibiu de usar-se do
caminho que , das minas se Aiuruoca abriram Antonio Gonçalves de Carvalho e
outros sócios para o Rio de Janeiro e costas do mar." Pizzaro : Memórias Históricas do Rio de Janeiro.
Rio,1820. Maneira encontrada pelo governo colonial para coibir o desvio e o
contrabando do ouro das Minas Gerais.p.38
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente matéria professor. Parabéns!!!
ResponderExcluirQueria Saber pq em Porto Real não se fala nada sobre Nicolau Lombardo?
ResponderExcluirVocê já leu meu artigo sobre Porto Real - Revendo um pouco da História de Porto Real publicado no Blog em janeiro de 2015. Olha eles nem falam do Conde Wilson e do Jose de Souza Marque que foi o dono de todas as terras que é o município hoje. Eu realmente não vi nas bibliografias citação deste senhor Nicolau Lombardo se você me mandar mais informações posso pesquisar. Pois lá em Porto Real criaram um história para cidade.
ExcluirTe respondi no Instagram e preciso de sua ajuda e posso lhe ajudar, assim como vc também pode me ajudar! Meu Instagram é @aureliofvazevedo abração!
ExcluirQueria Saber pq em Porto Real não se fala nada sobre Nicolau Lombardo?
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