sábado, 8 de março de 2014

A Imagem Padroeira de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova : aspectos históricos e sociais








Por: Julio Cesar Fidelis Soares

I - O Arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre do desbravamento a ocupação.
Nos princípios do século XVII, João Siqueira Afonso, bandeirante de Taubaté, transpôs a Serra da Mantiqueira e ganhou as terras mineiras em busca de ouro.  Em 1702 descobre as Minas do Sumidouro, e continuando sua caminhada descobre as Minas de Guarapiranga em 1704 (cidade de Piranga). Seguindo o Rio Grande vai dar na Serra dos Papagaios (1706) fundando o arraial de Ayuruoca[1] .  Ayuruoca é uma alusão a um penhasco redondo e elevado aos ares, sobre um dos altos montes daquele lugar, em que os papagaios faziam moradas como já havíamos dito em nota. Em 1717 a coroa concede a Dom Brás Baltazar da Silveira uma sesmaria, e nela iniciaram-se as atividades agropecuárias.  Em 1726, a boa qualidade das terras e a previsível exaustão das catas e garimpos, levaram Manoel de Sá, também, a obter da Coroa Portuguesa uma sesmaria de meia-légua.
A partir daí que se voltam os interesses de exploração da  região do Vale do Médio Paraíba que passa ser notada com a presença de Garcia Rodrigues Paes Leme, um dos primeiros bandeirantes a se fixar aqui região, por volta de 1715, quando obteve de D. João V a doação da terra. Terras essas habitadas pelos índios Puris.          
  Em 1744 Simão da Cunha Gago, bandeirante paulista, conseguiu do Governador Luís de Mascarenhas, licença para formar uma expedição que abriu caminhos pela mata virgem, chegando numa planície rodeada de montes, local que batizou de Campo Alegre da Paraíba Nova. A escolha do local deveu-se a fortes motivos de ordem econômica e geográfica, que influenciariam o desenvolvimento da região. Zona de amplo horizonte, num local bem servido de água pelos afluentes do Paraíba, colocada estrategicamente a meio caminho das rotas que se cruzava em demanda do Rio, São Paulo e Minas Gerais, no período de extração aurífera.
O povoado que aos poucos se formou ficou conhecido como Campo Alegre da Paraíba Nova, transformando-se três anos depois em Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova. Em 29 de setembro de 1801 passou a ser vila alterando, inclusive seu nome para Resende em homenagem ao Conde de Resende. Sua titulação para cidade ocorreu em 1848, já devido a sua grande importância econômica dentro do Vale do Médio Paraíba eqüidistante dos principais centros econômicos do país Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nestes campos encontramos o velho caminho dos Bandeirantes, que deu origem a cidades e vilas como Baependi, Bocaina de Minas e Aiuruoca. É de Aiuruoca que segundo narra Monsenhor Pizzaro de Araújo[2] que, o Coronel Simão da Cunha Gago mudou sua residência de São Paulo de Piratininga para o sítio da Lagoa de Ayruoca, na província de Minas Gerais.  Aí se ajustou com outros povoadores do sertão de sua vizinhança, para pesquisar ouro e diamantes, descendo em 1744 a Mantiqueira, logo avistando uma campina extensa e aprazível ali estabeleceram seus domicílios, tendo em sua companhia o Padre Filipe Teixeira Pinto. Em 12 de maio de 1747 obtiveram provisão para o uso de altar portátil, sob o amparo de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre[3]. E por Alvará Régio de 2 de janeiro de 1757 a Capela curada foi elevada a Matriz, com párocos próprios, tendo assim predicado de freguesia. 
Simão Cunha Gago é o primeiro a ver a bacia terciária de Resende, encaixada no vale arqueano do rio, a qual, por seus peculiares fatores geológicos apresenta um solo menos fértil para o adensamento florestal, desdobrando cerrados ou longos campos descobertos; origem do nome do arraial edificado pelo coronel Cunha Gago.  Arraial este que é responsável pela abertura de um novo caminho das Minas Gerais para o Rio de Janeiro, logo proibido por ordem régia.[4]
A Vila de Resende sempre teve ligado seu passado histórico ligado à presença da Igreja Católica na figura de seus Párocos. Figuras devotadas ao povo e aos santos ofícios mostraram com dedicação e sem descanso suas iniciativas às vezes até polêmicas, apresentando autoridade não só nos assuntos eclesiásticos, bem como nos políticos os de cunho social e geral da sociedade que arrebanhavam.
Desde os tempos de freguesia Resende teve párocos próprio sendo o primeiro Padre Felipe Teixeira Pinto, que erigira a primeira capela sob proteção de Nossa Senhora da Conceição, em 12 de maio de 1747. Por provisão eclesiástica de 12 de maio do Ordinário do Rio de Janeiro por ordem do Bispo Frei Antonio de Guadalupe.
O Padre Filipe foi cura da capela de Nossa Senhora do Rosário de Airuoca na província de Minas Gerais. A antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição era muito extensa. Segundo Monsenhor Pizzaro de Araújo, a linha divisória da freguesia atingia ao norte pela freguesia de Airuoca, do Bispado de Mariana, pelo rio Paraúna, a leste a Paróquia de Sant’Anna do Piraí; ao sul pela Comarca de Sant’Anna da Areias do Bispado de São Paulo, e a oeste, o mesmo Bispado por um lado e por outro novamente o de Mariana, servindo de linha divisória a Serra da Mantiqueira.  Daí a razão da Paróquia de Resende contar com dezenas e dezenas de Padres, Coadjutores, curas, capelães e encomendados nomeados pelos Párocos para ajudar nos trabalhos da Paróquia.
 Resende deve muito a esses homens da Igreja que no passado abriram através do seu conhecimento eclesial e leigo os caminhos para o progresso do Curato, da Freguesia, da Vila e por fim da Cidade de Resende. Assim nosso primeiro vigário tem sua nomeação oficial em 13 de Dezembro de 1759. Confirmada por El Rey Dom Jose I, que faz saber ao Reverendo Bispo do Rio de Janeiro, membro do conselho real, estando vaga a função na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre. Que por informação do Padre Antonio Francisco Bittencourt, resolve por boa informação nomear Padre Filipe Teixeira Pinto, Presbítero do hábito de S.Pedro, para serviço de Deus na dita Igreja. O segundo Vigário foi Padre Henrique José de Carvalho, remodelou e ampliou a Igreja Matriz, introduzindo novos altares para devoções, assim como um destinando a imagem da Padroeira, que pertenceu a Bandeira de Simão da Cunha Gago fundador da Vila. Padre Filipe colocou então, em prática os princípios da doutrina cristã, determinando aos demais párocos o ensino do Catecismo Romano, sobretudo a devoção mariana.
Fig.1 Imagem de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova pertencente ao altar portátil de Simão da Cunha Gago , sobre responsabilidade e guarda do então capelão  da expedição Padre Felipe Teixeira Pinto (1747). Madeira Policromada, origem Portugal séculos XVII / XVIII(?). Fonte: foto Fernando Lemos 2009

II - A Imagem de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova e sua representatividade social.
 Sabemos muito bem o que significa conceitualmente a arte sacra: é aquela arte religiosa que tem um destino de liturgia, isto é, aquela que se ordena a fomentar a vida litúrgica nos fiéis e que por isso não só deve conduzir a uma atitude religiosa genérica, mas há de ser apta a desencadear a atitude religiosa exigida pela Liturgia, quer dizer para o culto divino. Entretanto há na verdade entre as várias expressões de fé consubstanciadas nas imagens de culto litúrgico como a de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova, objeto alvo de nosso estudo, um caráter de extrema importância em conjunto com aspecto religioso a sua dimensão histórica e social, pois ela marca representatividade social da Igreja e seus membros como elementos  ativos no processo de desbravamento e consolidação dos sertões brasileiros do século XVIII . Ao relatarmos um pouco da história  do Arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre podemos entender o valor não só representativo da imagem como elemento de fé e religiosidade, mas bem como seu valor imaterial do ponto de vista cultural significando um marco no processo de colonização e evolução de toda a sociedade do Vale do Paraíba Fluminense.
III – Características da imagem de N. S. da Conceição do Campo Alegre

            A imagem guarda os seguintes pontos característicos segundo especialistas em arte sacra madeira policromada provavelmente de origem portuguesa (? Séculos XVII ou XVIII), porem existe a hipótese de ter sida confeccionada no Brasil, pois lembramos que nesta época de 1747 o Arquiteto Francisco Xavier de Brito deu início as decorações da Igreja de Nossa Senhora do Pilar em Vila Rica(Ouro Preto) ponto marcante do auge do arte sacra uma vez que a demanda por objetos litúrgicos pelas irmandades e pessoas de posse era grande. Vê-se nitidamente que é uma estátua de madeira recoberta por camada de gesso e argila africana, sobra a qual se aplicava a lâminas de ouro como vemos nos detalhes do manto. Por fim pintava-se a peça, conforme técnica tipicamente do barroco brasileiro, antes de secar a peça desenhava-se com estilete descobrindo o ouro previamente colocado. Sobre o ouro ou prata era aplicada a tinta, óleo ou têmpera oleosa, e para que o metal precioso subjacente aparecesse à tinta era removida nas partes necessárias com estiletes ou com um penteador, o que possibilitava o desenho de intrincados padrões florais ou abstratos, imitando brocados e bordados de tecidos verdadeiros, dando à imagem um aspecto suntuoso, como era o gosto barroco. As imagens de Nossa Senhora são umas das peças mais demandadas pois dentro da tradição Católica Portuguesa trazida ao Brasil, Nossa Senhora é padroeira e zelosa guardiã dos feitos português nas terras do Brasil. Sempre representada com o manto azul e branco conforme tradição mariana, nossa imagem não foge ao padrão tradicional,vemos também brocados feitos em pintura áurea. A base feita na forma de esfera celeste temos rostos de querubins e transpassando tal esfera a lua crescente que sobre ela transcende a Stella Maris, Stella Mater ou Regina Coeli ou seja a própria Nossa Senhora da Conceição. As mãos da imagem tem um ar fino e rechonchudo dando um significado de mulher saudável, seu rosto fino nos traços e de olhos grandes feito de vidro no traz um ar piedoso tanto no olhar quanto na posição da cabeça encimada por uma coroa de prata. Sobre a testa verificamos uma pinta que não sabemos identificar se é um descascamento natural ou um simbolismo indiano do terceiro olho, talvez nos levando se for característica original da imagem a uma origem nas índias portuguesas principalmente se observamos a posição de mãos posta e a torção típica das imagens de origem indiana fazendo o “namastê”.


 fig.2 - Nossa Senhora da Conceição vista do dorso superior - foto Fernando Lemos 2009.


 fig.3- Nossa Senhora da Conceição vista da Coroa de Prata - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.3 - Nossa Senhora da Conceição detalhe do rosto e manto da cabeça e olhos - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.4 - Nossa Senhora da Conceição vista do dorso médio - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.5- Nossa Senhora da Conceição vista da base com os querubins e Lua - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.6 - Nossa Senhora da Conceição vista do detalhe do manto com pintura a ouro - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.7 - Nossa Senhora da Conceição vista das mãos - foto Fernando Lemos 2009.



 fig.8- Nossa Senhora da Conceição vista geral do rosto com detalhe da "pinta" - foto Fernando Lemos 2009.
Vimos então que desde a sua fundação como Arraial de Nossa Senhora do Campo Alegre da Paraíba Nova nos idos de 1744, Resende teve e tem papel preponderante na história da região do Vale do Paraíba uma vez que sempre esteve a partir de sua fundação nas rotas de abastecimento e apoio das caravanas que se deslocavam no seu ir e vir da costa aos sertões fazendo-se de extrema importância estratégica dentro da logística não só do período bandeirista dos séculos XVII e XVIII quando das empreitadas sertão adentro em busca de índios e, sobretudo na procura de mananciais auríferos das Minas Gerais. Por fim, dizemos que tudo se encaixa na saga do desbravamento dos sertões na procura de uma passagem através dos contra fortes da Mantiqueira, onde nessa dinâmica vemos a importância dos desbravadores como Simão da Cunha Gago e de sua Imagem Padroeira-Peregrina de Nossa Senhora da Conceição  para sociedade que temos hoje e para todas as cidades fronteiriças dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais que acabam partilhando uma História comum fazendo surgir centenas de capelas e igrejas sob os auspícios de Nossa Senhora da Conceição.



Bibliografia

Bopp, Itamar.  Casamentos na Matriz de Resende.  Instituto Genealógico Brasileiro, 1971.
____________. Notas Genealógicas.  São Paulo, Gráfica Sangirardi [S. D.]1987.

Leme, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana, C. Gagos (Volume V - Pág. 03 a 213) http://www.geocities.com/lscamargo/gp/genpaulistana.htm2/7/2007 11:28


Maia, João de Azevedo Carneiro. do Descobrimento do Campo Alegre À Criação da Vila de Resende. [ S.Ed] , 1886.

________. Notícias Históricas e Estatísticas do Município de Resende desde a sua fundação . Rio de Janeiro, 1891 .

Pizarro, José de Sousa Azevedo.  Memórias Históricas da Província do Rio de Janeiro , 1820.

Paranhos,Paulo. Prineiros Núcleos Populacionais no Sul de Minas Gerais www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao07/materia03/texto03.pdf -2/7/2007 10:14

Rosa, Claudionor; org., Dilma Ferreira Miranda, Eny Marinho Mattos, Lourdes Maria Almeida, Rosa Maria Rodrigues Muniz Costa – Paróquia de N. Senhora da Conceição: uma história de fé. RTN Editora Patronato. 2005 Resende-RJ

Saint- Hilaire, Auguste de. Viagem À Província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976.

_______ .Viagem Pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. (Início Do Século XIX).

_______ 1822. Segunda Viagem do Rio de Janeiro A Minas Gerais e a São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp

Sodré, Alfredo.  Resende, Os Cem Anos da Cidade.  [S.Ed]

Whately,Maria Celina, O Café em Resende no Século XIX, Ed.José Olympio, Rj, 1987.
______________, Resende, A Cultura Pioneira do Café no Vale do Paraíba, Niterói-RJ :Ed Gráfica La Salle , 2003.
______________, &  Maria Cristina  F.M. Godoy –ARDHIS –Academia Resendense de História.Resende, Crônicas dos Duzentos Anos, Resende-RJ :Ed Gráfica La Salle 2001

Fontes telematizada:
Arte Sacra – acessado 12/7/2010 18:15:40  in : http://www.artesacra.com.br/index.php



[1] Etimologia: casa de papagaio
[2] Pizarro, José de Sousa Azevedo.  Memórias Históricas da Província do Rio de Janeiro, 1820.Taunay dá a chegada de Cunha Gago e expedição ao Campo Alegre por volta de 1740 oriundo de Aiuruoca – Hist.do café no Brasil,vol.II,p.141.

[3] Vide anexo I  imagem trazida por Simão da Cunha Gago em 1747 pertencente a Paróquia de  N.S.da Conceição.Resende-RJ
[4] “A ordem de 9 de abril de 1745 proibiu de usar-se do caminho que , das minas se Aiuruoca abriram Antonio Gonçalves de Carvalho e outros sócios para o Rio de Janeiro e costas do mar." Pizzaro  : Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio,1820. Maneira encontrada pelo governo colonial para coibir o desvio e o contrabando do ouro das Minas Gerais.p.38

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Excelente matéria professor. Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  3. Queria Saber pq em Porto Real não se fala nada sobre Nicolau Lombardo?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Você já leu meu artigo sobre Porto Real - Revendo um pouco da História de Porto Real publicado no Blog em janeiro de 2015. Olha eles nem falam do Conde Wilson e do Jose de Souza Marque que foi o dono de todas as terras que é o município hoje. Eu realmente não vi nas bibliografias citação deste senhor Nicolau Lombardo se você me mandar mais informações posso pesquisar. Pois lá em Porto Real criaram um história para cidade.

      Excluir
    2. Te respondi no Instagram e preciso de sua ajuda e posso lhe ajudar, assim como vc também pode me ajudar! Meu Instagram é @aureliofvazevedo abração!

      Excluir
  4. Queria Saber pq em Porto Real não se fala nada sobre Nicolau Lombardo?

    ResponderExcluir