sábado, 8 de agosto de 2015

Um pouco da História Santa Casa de Misericórdia de Resende nos seus 180 anos de existência


Julio Cesar Fidelis Soares[i]

Começaremos contar esta história a partir do ambiente que levou a abdicação de Dom Pedro I nos anos finais da década de vinte do século XIX entrando a crise pelos primeiros anos da década de trinta. A estrutura construída na Independência fez com que fosse organizado um sistema político que colocava os municípios dependentes das províncias e estas, ao poder central; e ainda "adotaram um sistema de eleições indiretas baseado no voto qualificado (censitário), excluindo a maior parte da população do processo eleitoral. Disputaram avidamente títulos de nobreza e monopolizaram posições na Câmara, no Senado, no Conselho de Estado e nos Ministérios"[1].
                     Documento com pedido de Abdicação de Dom Pedro I.
 Ou seja, o clima político era extremamente instável, mas é dentro deste contexto que segundo Dr. João Maia em 4 de abril 1829 a Câmara Municipal de Resende que era presidida pelo padre Joaquim Pereira Escobar e composta pelos vereadores: Bento de Azevedo Maia, Padre José Marques da Mota, Padre Francisco do Carmo Fróes , João Lourenço Dias Guimarães, Antonio Luis Gonçalves e Comendador Fabiano Pereira Barreto. Nos primeiros dias de 1830 a câmara resolve em uma de suas sessões, apreciar a proposta, apresentada pelo Padre Fróes, para que se abrisse uma lista de subscrição popular com o objetivo de se construir uma casa de caridade para tratamento de enfermos indigentes, situação que demandou ser criada uma comissão parlamentar em 25 de janeiro de 1830.
Passado o tempo, ficou-se em pauta a questão de instalação do pio estabelecimento, por compra, aluguel ou construção do prédio, não podendo eles naquela ocasião por falta de meios fazer construção de uma sede para o Hospital. Fato é que segundo Maia em 1832 houve a instalação num casebre a rua chamada de Rua de Baixo, hoje Rua Simão da Cunha a instalação do modesto hospital que tinha como figura importante o senhor Gregório Rodrigues de Siqueira na função de tesoureiro e procurador e do primeiro diretor nomeado o Capitão Antonio Pereira Leite[2].
Já há 25 de julho de 1835, sob a proposta do Padre Joaquim Pereira Escobar, este indicou e a câmara deliberou que fosse convidado o Padre Manoel dos Anjos Barros Carvalho, residente na Vila de São Miguel das Areias (Hoje Areias-SP), lugar este onde havia fundado e organizado uma Santa Casa de Misericórdia, para que viesse à Vila de Resende auxiliar a Câmara da Vila a erigir um estabelecimento congênere sabedores da destreza deste sacerdote na organização de obras pias, de modo que ficou a cargo deste escrever os regulamentos e os princípios básicos da irmandade.
Assim uma casa foi alugada ao Senhor Antonio Gomes de Oliveira a Rua do Lavapés, que acabou sendo chamada de Rua da Misericórdia.  Neste local se deu a inauguração solene da instituição com toda pompa e cerimônias cabíveis. Em 2 de Outubro de 1835 criou-se a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia.
Em nossas pesquisas e sempre corroborando com que está na obra de João Maia é que afirmamos que de fato e direito o fundador da  Santa Casa de Misericórdia de Resende foi o Padre Manoel dos Anjos Barros de Carvalho, conforme consta no livro de beneméritos que diz o seguinte: “Manoel dos Anjos Barros de Carvalho considerado Benfeitor por ter sido o fundador da Santa Casa em 25 de Julho de 1835.”

Fig.1  Registro dos Benfeitores onde consta o crédito de fundador ao Padre Manoel dos Anjos Barros de Carvalho.
Sobre ele as únicas coisas que sabemos é o que nos fala João Maia, que era oriundo e natural de São João Del Rey na província de Minas Gerais, que era negro, mas livre de nascimento, criado e mandado instrui-se por conta de um velho padre. Ao se ordenar foi designado para Vila de Areias, ficando lá por um tempo e depois vindo para Vila de Resende a convite do Padre Joaquim Escobar para criação da Santa Casa. Ainda segundo Maia, consta era extremamente pobre, mal trajado, quase descalço, sua abnegação era tão grande que dividia tudo que arrecadava nas missas com os mais necessitados.[3] Maia nos dá ainda notícias que Padre Manoel dos Anjos Barros de Carvalho teria vivido na Vila de Queluz, província de São Paulo, se ainda segundo ele existe ou existia uma imagem de São Benedito feita por ele.
No fim da vida, foi designado para paróquia de Santo Antonio da Vargem Grande, onde ficou por algum tempo, vindo a falecer entre os anos de 1840 ou 1841, com cerca de setenta anos de idade, sem termos notícia do local de seu sepultamento.

Fig.2  Assinatura em rodapé do fundador ao Padre Manoel dos Anjos Barros de Carvalho na ata de criação da Santa Casa.
Quanto a Provedoria já da pia instituição o primeiro provedor registrado foi o Padre José Marques da Motta, que veio para Resende em 1826 oriundo de São João Del Rey, presidiu a Câmara Municipal em 1829, e foi o idealizador da criação do Projeto Província de Resende. Em 1831 funda o primeiro jornal de Resende e terceiro da Província do Rio de Janeiro – que se denominou O Gênio Brasileiro de 1831.


Fig.3  Registro da assinatura do Padre José Marques de Motta primeiro provedor no Livro de Ata de Fundação da Santa Casa.

Em 25 de março de 1830 Padre Marques da Motta e o Capitão Eleutério da Silva Prado, membro da família Prado de São Paulo, ao terminar uma seção solene do aniversário do juramento da Constituição; Pe. Marques convida o ilustre visitante para ver o recém-inaugurado quadro da figura do Imperador o que faz da seguinte maneira: “Queres ver o retrato de um mono?” o que obteve de resposta do visitante – “Não vejo bem esse macaco de fardão, chega-lhe a luz mais perto.” Segundo João Maia, é neste momento que impeliu a mão do padre fazer arder  o quadro da imagem de Sua Majestade Imperial. E em 1º de Julho de 1830 é mandado abrir um inquérito por Crime de Lesa-Majestade com punição de pena de morte. Padre Marques da Motta ficou fugido por algum tempo mais voltou logo que soube da abdicação de Dom Pedro I seu desafeto.

Fig.4 Imagem do registro do livro de Benfeitores com a citação dos méritos do Padre José Marques da Motta.
Assim vemos que a brava e benemerente Santa Casa de Misericórdia de Resende é fruto de uma sociedade conservadora, mas ao mesmo tempo liberal sabedora de seus compromissos não só materiais terrenos no atendimento aos próximos, mas na importância de acolher na caridade os mais carentes num momento de desprovimento da saúde. Ela representava a junção harmônica das diferenças sociais tão marcantes e prementes do século XIX, uma sociedade em transformação ávida para por os pés na modernidade da Revolução Industrial, mas basicamente rural na essência, levando a uma disputa entre liberais e conservadores, mas que na hora de construir um bem público de valor como este Pio estabelecimento tornavam-se irmãos na misericórdia e caridade sob o comando destes fantásticos padres que sempre vislumbraram dias melhores mesmo eles não estando presentes neste futuro.

Curiosidades Históricas:




I- Trecho da Ata de criação da Santa Casa de Misericórdia de Resende com aprovo do Regente Padre Diogo Antonio Feijó.
II- O Regente Feijó.

III- Num dos documentos Históricos da Santa Casa de Resende a Assinatura do Imperador D.Pedro II.

IV-Padre Jose Marques da Motta primeiro Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Resende.
Antiga  Rua da Misericórdia que era o caminha para se chegar a Santa Casa.

 Vista da Cidade de Resende onde se destaca o Prédio da Santa Casa e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Frontão da a Santa Casa voltado para Rua de Misericórdia.

Bibliografia:
Fontes Primárias:
Arquivo da Provedoria da Santa Casa de Resende:
Documentos da Santa Casa de Misericórdia de Rezende – livro  de 1835 a 1893
Ata de Criação da Santa Casa de Resende - 1835
Arquivo Histórico Municipal – Resende, RJ.
a) Atos da Câmara, correspondência dos Presidentes, Vice-Presidentes e Secretários.  Símbolo CMI,1 2.ªcaixa-Correspondência dos Presidentes, Vice-Presidentes e Secretários. 1831-34; 1836-37; 1840;
Vereadores          - Documentação produzida e recebida pelos Vereadores e relativa às suas funções: ofícios, indicações, propostas, pareceres das Comissões.  Símbolo CM1
1.a          caixa       -              1824; 1826-35.
2.a          caixa       -              1836-41;
b) Livro de Ata Câmara Municipal de Resende – CM 1829 à 1833  registro da Seção ordinária de 7 de Julho de 1829 – página 27 e 27 Verso.
c) Livro de Ata Câmara Municipal de Resende – CM 1829 à 1833  registro da Seção Extraordinária de 4 de Agosto de 1829.
Barcellos, Marcos C., A Santa Casa da Misericórdia de Resende– Religiosidade e Política na Paraíba Nova (1801-1848),Artigo – Universidade Federal de Dourados - Dourados, MS, v. 12, n. 21, jan./jun. 2010  acessado in: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/view/597
Bento,Claudio Moreira, A Saga da Santa Casa de Misericórdia de Resende 1835 a 1992 , ed.Senai- 1992.
Bopp, Itamar.  Casamentos na Matriz de Resende.  Instituto Genealógico Brasileiro, 1971.
____________. Notas Genealógicas.  São Paulo, Gráfica Sangirardi [S. D.].
Junior, Caio Prado, Evolução política do Brasil: colônia e imperio,Editora Brasiliense SP, 1994.
Maia, João de Azevedo Carneiro, Notícias Históricas e Estatísticas do Município de Resende desde a sua Fundação . Rio de Janeiro, 1891.
Soares, Julio Cesar F., A Província de Resende 1829, artigo publicado http://www.valedoparaiba3.com/nossagente/estudos/a_provincia_resende.pdf
Sodré, Alfredo.  Resende, Os Cem Anos da Cidade.  [S.Ed]
Whately,Maria Celina, O Café em Resende no Século XIX, Ed.José Olympio, Rj, 1987.
__________, Resende, A Cultura Pioneira do Café no Vale do Paraíba, Niterói-RJ :Ed Gráfica La Salle , 2003.
__________, &  Maria Cristina  F.M. Godoy –ARDHIS –Academia Resendense de História.Resende, Cronicas dos Duzentos Anos, Resende-RJ :Ed Gráfica La Salle , 2001.



[1] Junior, Caio Prado, Evolução política do Brasil: colônia e império,Editora Brasiliense SP, 1994 pág. 62
[2] JOÃO PEREIRA LEITE, n. e bat. na freg. de Pouzo Alto, morador nesta Vila desde 1798, com 22 anos, f. l. de Alferes João Leite da Silva, este o 1.o Tesoureiro eleito pela CM., por ato de 30-IX-1801, quando da criação da vila de Resende em 29-IX-1801. Grande fazendeiro de café, como consta na Escritura Pública de 07-V-1802, vendendo terras e cafezais no Ribeirão Razo, recebidas por títulos de Sesmarias e de sua mulher Ana Pereira de Mello (na residência deste casal, tomaram posse os primeiros Juizes, Vereadores e Oficiais, perante o Ouvidor José Albano Fragozo e na presença do Juiz Presidente André Bernardes Rangel) esta, f.l. de Gaspar Alves de Mello e de s/m. Ângela Pereira de Mello, e o Alferes, f. l. de Jerônimo Leite Guimarães, n. Portugal que declarou em 1774 contar 52 anos, e s/m. Luiza Rodrigues do Prado, filha de Vicente Gonçalves Preto e de Felippa do Prado ou Fellipa Gago, casal este que morava em São José (Hoje Tiradentes, MG.) cerca de 1730 e morava em Sant'Ana do Capivarí (Capela filial de Pouzo Alto) no ano de 1752. Reg.333 http://www.genealogiafreire.com.br/bopp/casamento_300_500.htm
[3] Maia, João de Azevedo Carneiro. do Descobrimento Do Campo Alegre À Criação Da Vila De Resende. [ S.Ed] , 1886. P.125





[i] Mestre em História Social, Economista e Professor Universitário  – Membro da Academia Resendense de História(Resende-RJ),Academia de História Militar Terrestre do Brasil, Instituto de Estudos Valeparaibano (Lorena-SP) e Professor do Centro Universitário Geraldo Di Biasi – Volta Redonda-RJ.