por
Julio Cesar Fidelis Soares[1]
RESUMO
Este artigo é um estudo preliminar sobre a poetisa Narcisa Amália que
viveu em Resende, Província do Rio de Janeiro, no século XIX, numa busca do que representou socialmente esta mulher poetisa,
abolicionista, espírita e republicana. A análise dos elementos da representação
social desta
escritora pioneira nos ajudará a entender um pouco mais sobre a
história da literatura
em Resende bem como da região do Vale do Paraíba Fluminense no período da
produção cafeeira e suas interfaces com a sociedade brasileira da época.
Palavras-chave: literatura, história e poesia.
Falar de Narcisa Amália é sempre muito importante para lembrar-nos
desta mulher que foi um marco para literatura poética na segunda metade do
século XIX na região do Vale do Paraíba Flumimense, mais especificamente em
Resende e do ela e sua obra representa para literatura poética e da prosa no
ambiente regional, nacional e internacional.
Além
de poetisa foi uma das primeiras jornalistas do Brasil[i],
Narcisa Amália nasceu em São João da Barra na Província do Rio de Janeiro em
1852. Em 1863 aos 11 anos veio para
Resende onde seu pai, Joaquim Jacome de Oliveira Campos, fez residência e
fundou quando chegou, dois colégios – um
para meninos, dirigido por ele e outro
para meninas, dirigido por sua mulher Narcisa Ignácia Pereira de Mendonça, que
era professora. Mais tarde Narcisa
Amália teria aí seu primeiro emprego. A
contribuição de seus pais para a vida cultural da cidade foi tão importante que D.Pedro II resolveu
agraciar o Professor Jácome de Campos com a comenda Ordem da Rosa, quando de
sua visita a Resende, em 1874.
Narcisa
foi criada num ambiente liberal, o que marcaria toda sua obra – tanto na poesia
quanto na prosa, destacadamente nos seus artigos na imprensa. Criticava violentamente em seus artigos a escravidão que ainda imperava no Brasil ,
escrevendo também a favor da instauração da República. Por suas posições intrépidas e arrojadas,
inclusive denunciando a situação de inferioridade em que vivia a mulher
brasileira, mostrando-se pioneira também no feminismo, Narcisa foi alvo de críticas da
sociedade resendense conservadora, católica, monarquista, escravocrata e
machista.
Publicou
artigos como “A emancipação da mulher” e “A mulher no século XX” obras muito a
frente do tempo para o entendimento do público da época. Quem nos descreve a
figura física de Narcisa foi o historiador Resendense Arthur de Almeida Torre
que nos relata:
“Tinha um corpo delicado e cintura fina, perfil clássico de
andaluza,olhos grandes e expressivos, que pareciam sempre mergulhados em
meditação ;lábios ligeiramente carnudos e bem torneados,onde,no dizer do poeta
, um beijo flutuava eternamente; cabelos fartos,que rolavam em ondas sobre os ombros de linhas suaves como um vistoso
manto de topázio;mãos cetinosas e
espirituais,tão pequenas, tão claras e tão delicadas,que igual,no
mármore,Fídias por certo não talhara...”[ii]
No
ano de 1866 casa-se aos 14 anos com João Batista da Silveira, de família
resendense, quatro anos mais velho que ela, mas o matrimônio durou apenas
quatro anos, foi na verdade um fracasso e o marido a abandonou, deixando também
a cidade de Resende.
Resende a época de Narcisa
A
Resende dos anos 60 do século XIX era uma cidade pujante do ponto de vista
econômico e social. Pois na década de 50
do século XIX mais precisamente no ano de 1854 a produção do Vale fluminense
era de 7.988.551 arrobas, superando a produção do Vale paulista que chegava a
monta de 2.737.639 arrobas. No entanto,
apesar de toda essa euforia cafeicultora, a região de Resende nunca ocupará o
lugar de maior produtora de café da província do Rio de Janeiro. A Cidade de
Resende foi grande centro produtor, mas não o maior. Mesmo que no início do
século XIX seja Resende o centro irradiador do café, espalhando-o por todo o
Vale do Paraíba, será Vassouras, Valença, Paraíba do Sul, Barra Mansa e Piraí
que possuirão as maiores fazendas e também a maior produção. Um dado bem
interessante buscado no Almanaque Laemmert da década 1860, nos informa que em
Resende o café era produzido em quatro freguesias, por 510 a 560 fazendeiros e
lavradores, em Vassouras 82 fazendeiros, 62 em Barra Mansa e 54 fazendeiros em
Valença. O que nos faz intuir que tal quantidade de propriedades para região de
Resende dá indícios da importância específica da pequena e média propriedade
cafeicultora na dinâmica econômica da região, bem como sua coexistência com as
grandes propriedades monocultoras de café com seus planteis numerosos de braços
escravos. No início da década de 1870 chama-nos a atenção uma declaração que
corrobora com nossas pesquisas é o registro de atas da Câmara Municipal de
Resende em 1873:
“... no
Município de Resende há mui poucos grandes lavradores, é talvez o Município da
Província do Rio de Janeiro onde
propriedade territorial se acha
mais bem dividida e, por consequência , onde se encontra maior número de
pequenos produtores...”
fig.1 Bairro Lavapés onde morava Narcisa Amália no século XIX.
Em
Agosto de 1870 Narcisa começou a publicar no Jornal O Astro Resendense, na
formatação de folhetim, capítulos da obra do escritor françês Gaston de Saporta[iii],
denominada Reveu des Deux Mondes. Tradução
transformada em livro que deu projeção em nível nacional a nossa escritora.
Em
1872 estimulada pelo pai traduziu e publicou um folhetim no jornal Astro
Resendense, tendo também colaborado em outras publicações como O Pirilampo,
jornal literário que passou a ser integralmente redigido por ela com o
pseudônimo Narandiba[iv] (
de origem tupi, significa laranjal). Entre 1870 e 1872 publica suas poesias em
vários jornais do Rio e São Paulo. Em novembro de 1872 publicava seu livro de
poesias – Nebulosas, pela mais famosa
editora da época, a Garnier, com
prefacio do poeta resendense Ezequiel
Freire[v]
que, segundo alguns, teria sido seu amante,situação que ao nosso ver não achamos
evidência nem registros que possa dar guarida a tal afirmação. Mais tarde ela
faria o prefacio de seu livro – Flores
do Campo.
A poesia de Narcisa , em Nebulosas, foi recebida com aplausos pela crítica
literária. João Oscar, um de seus biógrafos, escreveu: “...nos mais diversos
setores da cultura nacional , o assunto de repente se tornou um só: a bela e
talentosa Narcisa Amália e sua obra.”
Pessanha Póvoa fez do prefácio de Nebulosas e em um dos trechos disse:
“Eu peço que Julguem o livro de N. Amália,livro que ilumina a grande
noite da poesia brasileira.Quando houver um Conselho de Estado ou um Senado
Literário ,Narcisa Amália terá as honras de Princesa das Letras.”
Em umas das suas tantas visita a Resende houve
uma grande surpresa o Imperador Dom Pedro II demostrou desejo de ir
cumprimentar a poetisa, cuja obra já conhecia e admirava. Segundo conta-se que
um dos munícipes que cortejava o Imperador,o questionou mui respeitosamente
quanto ao desejo S.M., disse-lhe que Narcisa Amália residia numa padaria,de
cujo proprietário era esposa. O Imperador retrucou sem se importar : - Lá por isto,não ;não dilatemos a
visita,vamos sem perda de tempo,porque enfim eu vou visitar a sublime
padeira,por estar ansioso por lhe provar ... do pão espiritual. E o cortejo
se fez com Imperador a frente desfilando pelas ruas de Resende até a Rua da
Misericórdia encontra Narcisa[vi].
Fagundes Varela dedica a ela a poesia cujo
título deu “Tributo de Admiração- O
Gênio e a Beleza”, José do Patrocínio[vii]
dedica a poesia “ Á Narcisa Amália”, já Raimundo Correia dedica-lhe “Poema da
Noite”, Machado de Assis em sua coluna de crônicas com título “A nova geração”,na Revista Brasileira de
1879: “D.Narcisa Amália,essa jovem e bela
poetisa,que há alguns anos aguçou nossa curiosidade com um livro de versos e
recolheu-se depois à turris erbunea
da vida domestica.” em fim todos fizeram elogios de peso à poetisa.
fig.2 - Nicolau Fagundes Varella um dos grandes entusiastas da obra de Narcisa.
Regionalmente
destacamos a crítica feita em 9 de fevereiro de 1873,publicada no jornal Pindamonhangabense que assim faz seu
comentário “ Nebulosas é o título do
livro de poesias que vem publicar a nossa distinta e inteligente colaboradora,
a exma.Srª Narcisa Amália. É já por demais conhecido dos nossos leitores
e,sobretudo,das leitoras,o nome desta ilustre poetisa,que faz honra e glória ao
sexo a que pertence...”, em Resende o poeta e abolicionista Otaviano Hudson
escreve no Astro Resendense em 23 de março de 1873, “ A mulher que se libra nas esferas do ideal,tem na fronte resplendente
a auréola gloriosa que o Criador concede aos gênios. Narcisa Amália faz parte
dessa falange.” Internacionalmente recebe críticas oriundas de Portugal de
Rangel de Lima publicada na Revista Artes e Letras de Lisboa em
1873,no mesmo ano Julio Cesar Machado faz elogio no Diário Ilustrado de Lisboa, o crítico literário Luciano Cordeiro em
sua obra Estros e Palcos em 1874 faz a menção a Narcisa do qual
extraímos o seguinte trecho “ Longa vai
já esta notícia de um livro e uma poetisa incontestávelmente notável. Talento
vigoroso,brilhante,flexível , afirma-se por maneira que não pode contestar-lhe
um dos primeiros lugares na literatura de cá(Portugal)”. Já em 1878 a
escritora Portuguesa Guiomar Torrezão no Almanaque das Senhoras, editado em
Lisboa faz-lhe extenso elogios.
Em 1880, aos 28 anos,
ela casou-se , pela segunda vez, com Francisco Cleto da Rocha, proprietário da
Padaria das Familias, no bairro do
Lavapés. Novamente experiência amorosa malograda que durou apenas sete
anos. O sucesso de Narcisa passou a
incomodar o marido que, depois de separado, passou a difamar Narcisa declarando
que seus versos não eram de sua autoria, mas escritos por poetas com quem teria
tido casos de amor[viii].
O escritor Múcio Teixeira[ix]
fez côro à campanha contra Narcisa declarando que Nebulosas tinha sido escrito
por um homem com pseudônimo de mulher. Desgostosa, a poetisa desabafa num de
seus versos: ”Meu nome atirei às ventanias....” Em outra ocasião, indignada com
as críticas recebidas por não se dedicar “aos cestos de costura” , como diziam
na época, escreve:” Quando tento liberar-me no espaço/ As rajadas em tétrico
abraço/ Me arremessam a frase – Mulher!”
Desiludida com o clima que se formara à sua volta decide mudar-se para
Rio de Janeiro onde passa, a partir de 1889, a lecionar numa escola pública,
indo morar em São Cristóvão. Narcisa assistiria à proclamação da República,
tema de tantos de seus artigos, mas já não tinha mais ânimo para a vida
política. Afastou-se totalmente do meio literário e deixou de escrever,
abandonando a poesia. Passou a morar com um casal de amigos no Rio Comprido
onde, a 24 de julho de 1924 morria, paralítica e cega. A cidade de Resende
prestou-lhe uma homenagem dando seu nome a uma das ruas do bairro Manejo. Pouco mais de vinte anos depois, em 1948, o
nome de Narcisa Amália era resgatado com a publicação de uma biografia sua
feita por Antonio Simões dos Reis que buscou, inclusive, o testemunho do
jornalista Alfredo Sodré[x]
que lhe contou ter mais de uma vez visto Narcisa escrevendo seus versos. E ninguém
mais duvidou da autoria de Nebulosas livro marcante Narcisa Amália que do ponto de
vista literário foi analisado recentemente na obra Chistina Ramalho - Um
Espelho Para Narcisa: Reflexos de Uma Voz Romântica, livro
este que tem o mérito, entre outros, de resgatar através de rigoroso estudo
crítico da autora , a obra de Narcisa como grande poetisa que foi e expoente da
literatura nacional e do Vale do Paraíba no século XIX.
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http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/literatura/mss_I_07_10_017.pdf
Biblioteca
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Assunto Poesia brasileira.
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/literatura/mss_I_07_10_018.pdf
[1]
Mestre em História Social ,
Docente do Centro Universitário Geraldo Di Biasi,Volta Redonda e Barra do
Piraí,das Faculdades Integradas Teresa D´Ávila,grupo Unisal,Lorena-SP,docente
da FAETEC-CETEP –RESENDE-RJ. Vice-presidente do Instituto de Estudo Vale
Paraibanos,Vice-Presidente da Academia Resendense de História, acadêmico da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil.
[i] Segundo estudos
de João Oscar fundamentados nas opiniões de Arthur A.Torres,Marcello e Cybele
de Ipanema in Imprensa Fluminense,Ensaios e trajetos,Rios de Janeiro:Inst.de
Comunicação Ipanema,1984.
[ii] Athur Almeida
Torres in Oscar,João.op.cit p.32
[iii] Louis Charles
Joseph Gaston de Saporta,
nascido em Saint-Zacharie (Var) 28 de julho de 1823 e morreu em Aix-en-Provence, 26 de janeiro de 1895,
é um palaeobotanico francês. Ela mostra a
transformação de espécies de plantas em diferentes épocas.
[iv] Lembramos que
neste período do século XIX existia uma tendência dos literatos a buscar
influências na cultura indígena brasileira como resgate segundo eles as raízes
da terra.
[v] José Ezequiel Freire de Lima,nascido em
Resende, na freguesia de Bom Jesus de Sant´Anna dos Tocos em 10 de abril de
1849. Faleceu em Caçapava, província de
São Paulo em 14 de novembro de 1891. Rezende, no século passado, foi um viveiro
de espíritos de larga envergadura, tais como Raul Pompéia, Luiz Pistarini,
Martins Junior e, dentre os mais ilustres Ezequiel Freire, que apesar de sua
breve existência, exerceu grande influência no pensamento brasileiro de seu
tempo e deixou profundamente assinalada a sua personalidade literária, social e
política.
Foi um autêntico e espontâneo poeta e um
escritor de aptidões multiformes. Mas tanto no verso, como na prosa, manifestou
um profundo senso de nosso meio e intrépido amor às nossas realidades. Rompendo
com a obra de imaginação do romantismo e do lirismo, que dominavam em seus
dias, ele embebeu-se no seio de nossa terra e de nossa gente e colocou, no
fundo de todas as suas produções, temas e motivos nacionalistas, integrando-se
nos problemas ambientes, neles tomando posição definida e própria e combatendo
pelos seus ideais através de suas crônicas, de seus contos, de seus artigos de
doutrina, de sua crítica e de seus versos. O "Correio Paulistano" foi
o órgão de imprensa que mais assiduamente e demoradamente exerceu a sua
atividade, como o brilho de seu estilo fluente e escorreito. Escreveu também
para a "Província de São Paulo", para o "Diário Popular",
em São Paulo, e para a "Gazeta de Notícias" e outros grandes órgãos,
no Rio.fonte:
http://bndigital.bn.br/projetos/redememoria/bio-ezequielfreire.html
[vi] In A imprensa
,Juiz de Fora ,MG,1921 nºII;e Jornal do Commércio ,22.09.1948.
[vii] Interessante é
que José do Patrocínio o “Tigre da Abolição”viveu em Resende quando teve uma
farmácia a Rua Direita denominada “Pharmacia Independência” e portanto é
provável que tenha conhecido pessoalmente e até convivido com Narcisa pois
ambos lutavam pela abolição da escravatura.
[viii]
A escritora Christina Ramalho em sua
obra Um Espelho Para Narcisa: Reflexos de Uma Voz Romântica corrobora tal fato.
[ix] Múcio Scervola
Lopes Teixeira nasceu
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul e faleceu no Rio de Janeiro. Foi poeta,
folclorista, jornalista,moralista, memorialista, etnógrafo, formado em medicina
na Bélgica.Obra: Curso de Literatura Brasileira (1876), Cantos do Equador
(Poesia, 1881), Pátria Selvagem (1884), Cancioneiro Cigano (1885), Festas
Populares do Brasil (1886), Os Ciganos no Brasil (1886), Parnaso Brasileiro (antologia,
1885).
[x] Cel.Guarda
Nacional Alfredo Sodré,Jornalista,articulista,membro da Loja Maçônica Lealdade
e Brio que ajudou a fundar,foi editor do Almanack Resende,
os cem anos da cidade.S[ed}1901.
Oi, estou fazendo meu TCC sobre a Narcisa e queria achar os artigos "A mulher do século 19" e "A emancipação da mulher". Você sabe me informaronde posso encontrá-los?
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