quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A ESTRADA DE FERRO RESENDE A AREIAS (ESTRADA DE FERRO RESENDE À BOCAINA)

Por Julio Cesar Fidelis Soares - ARDHIS
Claudionor Rosa - ARDHIS

Resumo

Este artigo mostra a importância da economia agro-exportadora cafeeira nos municípios de Resende e São José do Barreiro, que se beneficiando da conjuntura favorável daquele momento, coloca o café como centro dinâmico da economia, atraindo as forças econômicas - capitais e mão-de-obra - e provocando mudanças em todos os outros principais setores da sociedade, conseguindo trazer a mais moderna tecnologia Ferroviária do século XIX. A ferrovia, trabalha para a melhor distribuição da riqueza de suas regiões operando mais uma vez mudanças na constituição das classes sociais, com o declínio de umas e a ascensão de outras, trazendo saudade daqueles tempos.

Palavras-Chave: Café - ferrovia - economia - sociedade
Este estudo se deu da nossa curiosidade em resgatar mais um pouco da história dos transportes na Resende dos séculos passados e da história do Vale do Médio Paraíba Fluminense em ligação com o Vale do Paraíba Paulista. Através da obra de Maria Celina Whately é que nos orientamos sobre informações das diversas etapas da história do transporte na região. Dentre estas etapas destacou-se a ferrovia, que deu mobilidade não só às pessoas, às cargas, mas acima de tudo dinamizou o comércio. O transporte em nossa região deu-se então em três etapas: via terrestre, com transporte das tropas de mulas e ferroviário, via marítima e fluvial. Nosso foco se dará mais precisamente no transporte ferroviário, que a partir da década de 1870 chega a nossa região mudando e dinamizando mais ainda o perfil econômico da região de Resende. Desde o final do século XVIII já era um importante entreposto comercial e ponto de convergência entre as tropas oriundas das Províncias de São Paulo e Minas Gerais com destino ao mercado da Corte. Um dos fatos que corroboram com isto e que mostra também a importância e as ligações sócio-econômicas entre Resende, Bananal, São José do Barreiro e Areias, é a construção da estrada Resende-Ariró que tinha como objetivo não só alçar o porto de Mambucaba, mas unir, consolidar e facilitar o transporte e a mobilidade entre as populações desta região que eram as maiores produtoras e exportadoras de café. Assim, tal empreitada foi realizada sob o comando de Domingos Gomes Jardim[1].  Com o passar do tempo e o crescimento econômico da região, nos idos de 1872, chega à Resende a Estrada de Ferro D. Pedro II. Segundo o jornal O Astro Resendese, as principais questões econômicas que trariam vantagens e favorecimentos à região seriam: diminuição dos preços, a brevidade nos transporte e melhor acondicionamento dos gêneros transportados.


Fig.1 – Carta relatório dando conta do andamento das obras da Estrada Resende-Ariró – antigo caminho de transporte de Café.


Em 1874 a estrada de ferro chega a Boa Vista[1] fazendo com que o trecho contasse com quatro estações: Resende, Campo Belo, Itatiaia e Boa Vista. Com isto, as exportações de café de São José do Barreiro, Areias e Bananal também eram atendidas.  
A importância econômica desta região era tão grande que em 21 de fevereiro de 1872 foi concedido por decreto número 4893 a autorização do Governo Imperial para construção de uma ferrovia que partiria de Resende, na província do Rio de Janeiro, indo em direção à província de São Paulo para concorrer com incremento comercial e agrícola dos municípios de Bananal, São José do Barreiro e Areias; e ainda com o objetivo de contribuir com o transporte das produções de Cunha e Silveiras[2]. Constituindo assim, um ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II. O entroncamento se deu a 335 metros da ponte sobre o Rio Paraíba, antes da estação do Campos Elíseos em Resende em terreno que hoje se localiza o bairro do Surubi. Em 1876, no transcorrer das obras, ocorre uma modificação do traçado, sendo estas alterações aprovadas por S. M. o Imperador em 9 de fevereiro do mesmo ano. Assim, no dia 30 de novembro de 1877, dá-se a inauguração provisória do trecho Resende-Estalo com o trem partindo da plataforma do Surubi às 7 horas da manhã[3]. A inauguração definitiva do percurso até a estação de Formoso acontece em 8 de janeiro de 1878 e o término das obras levando até São José do Barreiro, em 19 de fevereiro de 1892.



Fig.2 – Carta convite da Companhia Estrada de Ferro Resende-Areias para inauguração do trecho provisório.


Resende e sua Ferrovia

A rua Dr. Clodomiro Maia, no Lavapés, é também conhecida por Rua do Trenzinho, porque durante 52 anos foi parte do leito da extinta Estrada de Ferro Resende-Areias, também chamada de Estrada de Ferro Resende-Bocaina. No início, propriedade da Casa Finnio & Irmãos, do Rio de Janeiro, com vários acionistas e dentre o patrimônio contava com as estações: Surubi, Plataforma (Santa Casa), Babilônia, Estalo e Formoso. Ao longo da linha a Estrada de Ferro possuía bitola entre os trilhos de aproximadamente um metro.
Depois a ferrovia foi ampliada com as estações Independência, Riachuelo, Campinho e o ponto final em São José do Barreiro, totalizando 39 quilômetros, com planos de, atravessando a cidade de Cunha (SP), chegar ao litoral, visando, principalmente, o escoamento da produção cafeeira. Alcançar Cunha e o litoral foram planos não concretizados.

“No dia 15 do corrente foi aberto ao tráfego a E. F. Resende Areias, da estação do Suruby até a de Estalo. A locomotiva Formosa, conduzindo três vagões de passageiros e um carro de bagagens. Partiu do Suruby às 6:30hs da manhã ao som da Banda de Música da Sociedade Santa Cecília. Às 6:45hs rodou o trem, chegando à estação de Babilônia às 7:35hs, onde o aguardava grande número de cavalheiros e damas do Alambari, Formoso e Barreiro. A banda de música do sr. Barão de Bananal saudou a todos. Com a construção de outros ramais já em fase de projetos, ficaremos em contato imediato com a parte do Bananal, e grande zona do sul deste município, animadas todas pelas lavouras do café...” [1]

Além das residências dos funcionários e das oficinas instaladas no Surubi, a ferrovia operava 3 locomotivas[2] (marias-fumaças) movidas à lenha, 3 vagões para carga, 3 carros para passageiros e 1 automotriz (automóvel de linha) movido à gasolina.



Fig. 3 – A locomotiva “Bocaina” uma das três máquinas operadas pela ferrovia.

A Circulação de Mercadorias
Os jornais da época nos dão conta do fluxo e movimento de economia da região, o “Tymburibá” registra em uma de suas publicações o seguinte:
“Em todas as estações da E. de Ferro Resende a Areias e D. Pedro II, vende-se bilhetes e despacha-se encomendas, mercadorias, diretamente para quaisquer estações das referidas estradas de ferro. São fornecidos sacos vazios para transporte de café, pelo preço da tarifa.” [1]

O Declínio

Com o decorrer dos anos, a ferrovia começou a apresentar problemas de custeio, a reduzir, e até mesmo a suprimir viagens de trens de passageiros e de cargas.
Na busca de solução para o trenzinho o Dr. Oliveira Botelho, entre outras alternativas, propôs ao governo federal a aquisição da ferrovia, através da Central do Brasil. Depois de muitas especulações a ferrovia foi comprada pela Refinadora Paulista, com promessa de incentivar o plantio da cana para alimentar a fabricação de açúcar, na usina de Porto Real, também de propriedade do mesmo grupo. No entanto, a aquisição apenas adiou a questão. Em outubro de 1928 a Refinadora dispensou todos os ferroviários, alguns com mais de trinta anos de serviço e, usando um termo bem atual, começou o sucateamento da estrada e a transferência do material para a cidade paulista de Piracicaba, onde a empresa tinha várias usinas e pequenos trechos ferroviários.
A medida gerou uma crise de desemprego até então sem precedentes na história de Resende, ocasionou o fechamento de outras atividades que viviam em função daquele trem.

O Aceno derradeiro

“Faço público que a Estrada de Ferro Resende a Bocaina, antiga Resende a Areias, encerrará usas atividades, dia 16 próximo. Quem se julgar credor da Ferrrovia, sob qualquer título, é solicitado a apresentar a devida conta no escritório da companhia, à Estação Oliveira Botelho, para os devidos fins de direito. Assinado o gerente Nelson Godoy”.[1] (Jornais “A Lira” e “Opinião” – novembro de 1928)
Como a canção famosa do Milton Nascimento, ao velho maquinista com seu boné só coube a tarefa de acenar pela derradeira vez. A ferrovia foi paralisada e, desta vez, para sempre.




[1] Jornal “A Lira”, edição de Álvaro Silva foi um dos jornais do século XIX que mais tempo circulou, terminando por volta do ano de 2001. “Opinião” – novembro de 1928).


 Fig.4 – Mapa do trajeto construído ligando Resende à cidade de São José do Barreiro no Vale Paulista.





Fig.5 – Locomotiva Formosa, uma das que operaram na ferrovia(1899).



Fig. 6 – Visita feita à região pelo Presidente Hermes da Fonseca, onde  utilizou a ferrovia saindo da Estação do Surubi. A foto mostra a recepção ao presidente em São José do  Barreiro –SP.






Fig.7 – Relatório do ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas aprovando modificações no trajeto da Estrada de Ferro Resende-Areias, que era um braço da E.F. Dom Pedro II.

Bibliografia:

Almanaque Laemmert. 1845-1885

Jornais:
“ A Lira “ – 1928
“ Opinião” – 1928
“Tymburibá” -1882
“Itatiaya” - 1877

Arquivo Público de Resende, Fundação Casa de Cultura Macedo Miranda, acervo documentação da Câmara Municipal de Resende.

BOPP, Itamar.  Casamentos na Matriz de Resende.  Instituto Genealógico Brasileiro, 1971.

________. Notas Genealógicas.  São Paulo: Gráfica Sangirardi. [S.Ed]  1987.

MAIA, João de Azevedo Carneiro. Do descobrimento do Campo Alegre a criação da Vila de Resende. [S.Ed] 1886.

________. Notícias Históricas e Estatísticas do Município de Resende desde a sua fundação. Rio de Janeiro, 1891 [Monografia] .

________. Modos de Produção e Realidade Brasileira: "A mentalidade dos-fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878." Petrópolis: Vozes, 1980.

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SAINT- HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976. (Início do Século XIX).

________. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. (Início do Século XIX).

________. 1822. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp.

SILVA, Eduardo.  Barões e Escravidão.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

SODRÉ, Alfredo.  Resende, os cem anos da cidade. [S.Ed]

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________. Pequena história do café no Brasil. Rio de Janeiro: Dnc, 1945.

TSCHUDI, J. J. Von.  Viagem à Província do Rio de Janeiro e São Paulo.  Biblioteca Histórica Brasileira, São Paulo: Martins, 1953.

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WHATELY, Maria Celina. O café em Resende no Século XIX.  Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.

WHATELY, Maria Celina. Resende, a cultura pioneira do café no Vale do Paraíba. Niterói: Gráfica La Salle, 2003.

ZALUAR, Emilio. Peregrinação pela  província de São Paulo, 1860-61.  São Paulo, 1953.









[1] Jornal “Tymburibá” – novembro de 1882 – publicação de Henrique Fonseca e Gustavo Amorim. 1881 até 1936.



[1] Jornal “Itatiaya” – 17 de novembro de 1877, publicado por Jose Ribeiro dos Santos Alves.
[2] Estas Locomotivas receberam os seguintes nomes conforme a tradição ferroviária: Resende, Bocaina e Formosa, talvez uma deferência a Formoso. Segundo Celina Whately, a viagem durava 4 horas, se fazendo três dias por semana, com viagem de ida e a volta no dia seguinte. (ver fig.3)
WHATELY, Celina. Café em Resende no século XIX. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1987. p.31.


[1] Boa Vista é denominada hoje Engenheiro Passos em homenagem a Francisco Pereira Passos, Engenheiro chefe da Construção da Ferrovia e responsável por trazer a obra até o limite com a Província de São Paulo. 
[2] Relatório do Ministério dos Negócios e Agricultura à Assembléia Geral Legislativa. ano 1874. p.128.
[3] Conforme carta-convite expedida a Câmara Municipal de Resende assinada por Oscar K. Ford gerente da companhia Estrada de Ferro Resende-Areias. Arquivo Público Municipal - Resende-RJ (ver fig.2)


[1] Gaúcho de Viamão, deu origem a uma das linhagens de família mais tradicional de Resende, foi responsável pela administração e construção da estrada do Ariró conforme atesta carta resposta expedida em 1831 dando conta dos progressos da obra. (Ver fig.1)




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