Por Julio Cesar Fidelis Soares
Neste ano de 2014 que Resende faz 213 anos de criação da Cidade, é importante comemorarmos relembrando e elevando a memória deste município que tem uma história intrigante e interessante para aqueles que querem conhecer um pouco da história da Província do Rio de Janeiro no século XIX, período áureo da produção cafeeira.
Então pensamos em realizar um pequeno estudo sobre uma das freguesias de Resende que mais atrai e encanta mesmo tendo desaparecido sob as águas do Rio Paraíba do Sul na Represa do Funil terminada no ano de 1968.
Segundo estudos realizados e publicados pela Academia Resendense de História, o arraial do Nosso Senhor Bom Jesus do Livramento de Sant´Anna dos Tocos tem seu primeiro registro em 1829, passando a Curato no ano de 1830. Entretanto, atualizados estudos publicados pela Academia Resendense de História nos traz que Sant´Anna registros de 1776 muito mais antigos do que indicado por Mattoso Maia Forte no Almanaque de 1944, tudo dentro do contexto histórico da Abertura do Caminho Novo da Piedade. Fazendo divisa com a província de São Paulo, era ponto de parada e descanso dos tropeiros. Vem da presença destes tropeiros o nome Sant´Anna dos Tocos, pois ao deixarem os acampamentos ficavam sobra de tocos que eram usados talvez para amarar as montarias e os animais de carga, outra versão seria os tocos que usavam para as fogueiras e que deixavam para trás.
Em 1843 Sant´Anna foi elevada à categoria de Freguesia pelo decreto número 281, de 23 de março do mesmo ano. O Almanak Laemmert de 1866 nos descreve Sant´Anna da seguinte forma:
“Esta freguezia com pequeno povoado à margem direita do rio Parahyba, com quatro léguas acima de Rezende, foi capella curada até 1843 [...] A sua população se acha bastante disseminada , e é talvez a maior e mais rica da circumvizinhaça. Conta 28 cidadãos jurados, e concorre às eleições com 9 eleitores de parochia.”
Em 1878 Sant´Anna possuía uma população livre de 1.950 habitantes e 1.389 escravos, formando um total de 3.339 habitantes, o que era um número considerável em comparação com a população do núcleo principal, a freguesia de Nossa Senhora da Conceição, que segundo cálculos da época tinha umas 500 casas ocupadas por 3.600 habitantes. Já em 1880 a vila de Sant`Anna tinha uma população livre de 2.378 habitantes, com escola para ambos os sexos e contribuía para os pleitos eleitorais com 9 eleitores registrados.
Num relato extraído da edição de 1885 do Almanak Laemmert, este nos descreve de maneira muito interessante a famosa Sant`Anna dos Tocos:
“Produz especialmente café, achando-se em grande desenvolvimento a cultura da canna e de cereaes só para consumo. Tem uma pequena, mas bem acabada igreja e um cemitério público, ainda não murado, apezar de haver uma verba no orçamento provincial para esse fim.
Assentada sobre um verde e extenso valle circundado por altaneira montanhas, é banhada esta freguezia pelo magestoso Parahyba, que corre formando aqui e ali pequenas e graciosas ilhas sempre verdejantes e matizadas de flores. É este um logar lindíssimo e talves um dos mais pitorescos do grande valle do parahyba. Outrora foi animada e progressiva, hoje, porém, devido às inctas políticas, ao abandono do governo provincial, acha-se ella muito decadente, e mais parece uma aldea abandonada, que uma freguezia do rico município de Rezende, que uma povoação da opulenta província do Rio de Janeiro.”
Sant`Anna era terra fértil não só para o café mas para idéias, poesias. Oriundos destas terras eram os poetas Sérvulo Gonçalves e Ezequiel Freire. Nos registros de 1883 do Almanak Laemmert aparece Sérvulo como cafeicultor e Alferes da Guarda Nacional, já Ezequiel foi grande poeta cuja obra mereceu elogios de Machado de Assis e Ramalho Ortigão. Ainda no campo das idéias, agora no campo das doutrinas econômicas temos em Sant´Anna Paxedes Gonçalves que segundo a reportagem do jornal O Globo que a época da inundação(1968), tinha idéias socialistas e pregava a criação de um partido operário já no século dezenove. Ao lembrarmos de Sant´Anna resgatamos das brumas do passado uma parte importante de Resende do século XIX, e até mesmo entendemos de fato o que quer dizer aquele trecho de Luiz Pistarini no hino a Resende que diz: “...terra de artistas, poetas e heróis...”. A Freguesia do Senhor Bom Jesus do Livramento de Sant´Anna dos Tocos vive em nossa memória mesmo que as águas turvas do Rio Paraíba tenham a engolido, como uma quimera sempre haverá na memória e no coração de um descendente de nossa Sant`Anna uma velha história a contar e contando vemos e ouvimos as vozes da Resende do século XIX.
Arquivo Público do Rio de Janeiro
Registros Paroquiais de Terras 1854
Livro 67: Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre
Livro 68: Freguesia de São José do Campo Bello
Livro 69: Freguesia de São Vicente Ferrer
Livro 70: Freguesia de Senhor Bom Jesus do Ribeirão de Sant’Anna
Almanaque Laemmert. Administrativo, Mercantil e Industrial Ed. H. Laemmert & C Rio de Janeiro – 1846 a 1885.
Almanaque Laemmert. 1846. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1866. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1868. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1877. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1880. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1881. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1883. Município de Resende
Almanaque Laemmert. 1885. Município de Resende
Jornais e Periódicos da Região
Astro Resendense. 1865-1873.
O Itatiaia. 1876-1890.
“Almanack do Centenário de Rezende para Anno de 1902” - Ed. Typographia e Papelaria “Fonseca” – Resende, 1902.
HISTORIADORES LOCAIS e VIAJANTES
BOPP, Itamar. Casamentos na Matriz de Resende. Instituto Genealógico Brasileiro, 1971.
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Barcellos de,Marcos Cotrim -História de Resende uma Narrativa,organizador -Academia Resendense de História . Ed.Câmara Municipal de Resende - Câmara Cultural - Resende,2017
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CASTRO, Antônio Barros de. Sete ensaios sobre a Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
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