sábado, 27 de agosto de 2016

A Fazenda Boa Esperança um grande exemplar das fazendas de Café de Resende do período áureo dos cafezais.

A Fazenda Boa Esperança, foi provavelmente fundada na primeira metade do séc. XIX por José Moutinho de França, com a denominação de Fazenda Esperança.
No Registro Paroquial de Terras, realizado em 19 de janeiro de 1856, José Moutinho de França, declara que tais terras foram adquiridas através de herança de seu tio João Lourenço Dias Guimarães e outra parte, por compra feita a Antonio Moutinho de França e João de França Moutinho. Neste mesmo Registro, França informa ainda que possuía outra fazenda de nome União no lugar “Cabeceiras do Lambary e Pirapitinga”.



 fig.1  Frontão da Fazenda Boa Esperança com seu terreiro de Café.

fig.2 Vista geral da Fazenda do Senhor Moutinho a partir da sua antiga porteira.

A historiadora resendense Maria Celina Whately, autora do livro Resende, A Cultura Pioneira do Café no Vale do Paraíba, transcreveu em sua obra um interessante artigo, publicado em 1872, no jornal Astro Rezendense em que o redator, Jacome de Campos, um dos fundadores do jornal, relata sua visita a Fazenda Esperança:
 “A pouco mais de uma légua, a noroeste desta cidade, demora uma linda fazenda, propriedade do senhor José Moutinho de França, que lhe deu por titulo – Esperança. Ali só se conserva do passado o que foi uma esperança realizada com critério; o mais abandonou-se, desprezou-se, inutilizou-se e se transformou dia por dia commelhoramentos novos e novas tentativas” (f24) .
“O viajante ao entrar na fazenda é agradavelmente surpreendido pelo terreiro, em frente a casa de vivenda, e, formando um imenso quadrilátero, parte de cantaria, e todo murado de pedra, com três portões de entrada. Entrando na casa encontra-se tudo o que há de confortável para a vida e o bem estar, desde a sala de visitas até os últimos compartimentos do interior. Pelo fundo do prédio, um outro quadrilátero, formado pelas tulhas e senzalas, pode-se chamar o pátio do movimento interno. Um tanque de cantaria, sempre cheio e sempre limpo, oferece água para todos os misteres domésticos, cruzando por ali todas as aves, que é comum terem as nossas fazendas. O engenho de café recebe a água do tanque que lhe dirige rede principal, e desce a uma segunda dependência onde divide-se em dois braços, um que move a serraria e outro que faz mover o moinho de fubá.
À esquerda do prédio principal estende-se a horta onde se vê o tanque de lavar o café, também de cantaria, por onde passa a água que rega essa parte da propriedade”(f25 e 26).

“Os cafezais sobem e descem pelos morros até quase um légua de distancia, alimentando ainda o engenho do Alambary2 , assentado a quatro quilômetros, com uma dependência da fazenda. Nas várzeas o canavial de que fabricam açúcar e aguardente; o arroz, o milho, o feijão, a mandioca, gado grosso e miúdo, tudo se cultiva e se reproduz tanto para os gastos da fazenda como para socorrer os pobres e desgraçados, desprotegidos dafortuna, que nunca voltaram dali com as mãos vazias...tanta é a caridade do senhor Moutinho e de sua Exma.
Sra. Mariana Cândida de Meireles França”. “Em poucas fazendas tenho visto a água e a pedra mais bem aproveitadas; por toda a parte tanques e bacias de cantaria por onde correm as águas encachoeiradas, havendo em todas as eclusas e comportas para que possam elas afluir aos pontos onde de fazem mais necessários” (f27 e 28).

fig.3 Fazenda da Barragem mais uma das propriedades do senhor Moutinho.

“O senhor Moutinho não poupa esforços e nem conhece dificuldades quando empreende um melhoramento.  Agora mesmo tem ele em vista trazer água em casa, para tornar mais fácil o serviço doméstico, e, em breve,terá realizado seu pensamento. E o viajante passeia por diversos lugares e não sabe que, muitas vezes, a água lhe corre por debaixo dos pés por canais escondidos”. “Mas não é só isso que distingue a fazenda da Esperança; e também o trato cavalheiroso de seus proprietários; é a maneira porque cuidam dos seus escravos, desses infelizes que quase sempre com a liberdade perdem tudo.  Ali não é assim; o escravo é companheiro de labor, mas cabe-lhe também uma parte muito considerável de regalias. Vi chegar-se um a seu senhor e dizer-lhe em um dia de trabalho: “Meu senhor, ontem não pude colher todo e meu feijão que se estar quase perder”. O senhor Moutinho, sem fazer a menor observação, pois vá colher o seu feijão”.
“Por ocasião do batizado de um filho, no dia 24 do corrente, o senhor Moutinho e sua Exma. Sra. Concederam a liberdade a oito escravos. A condição imposta aos agraciados é o mais belo ensaio do trabalho livre a que se prende o futuro da nossa lavoura, e um ensaio que prova a inteligência do senhor Moutinho: servirem ainda por espaço de dois anos, a contar da data da liberdade, percebendo, porem, uma remuneração proporcional ao serviço que prestam (grifo nosso)...Enxerguei nesse ato do senhor Moutinho mais um passo para o futura da nossa lavoura. E quando o dá o senhor Moutinho: quando os seus cafezais se preparam para dar-lhe colheitas de 30 mil arrobas de café no anos regulares! (grifo nosso). Outro qualquer trataria de comprar nova gente; este libera uma parte da que possue, porque a sua inteligência não se volta para o passado, olha para o futuro e espera tudo do trabalho livre.” (WHATELY, 2003.p.90-92).

fig. 4 Vista da lateral da Fazenda e o calçamento do terreiro e entrada.
José Moutinho de França viveu até 1883, sendo sua fazenda passada a seus filhos herdeiros.
Na exposição Regional de 1885, realizada em Resende, aparecem os “órfãos de José Moutinho da França” como produtores apenas de 1.500 arrobas, na Fazenda Alambary (que era parte da Fazenda Esperança), usando maquinas Lidgerwood para seu beneficiamento.
Em época ignorada a fazenda passou a ser conhecida como “Fazenda do Banco”, denominação muito comum a decadentes fazendas de café no final do séc. XIX, que por motivo de execução hipotecária passaram a pertencer a “bancos”. Essa fazenda encontra-se hoje nas terras da Academia Militar das Agulhas Negras e tem poucos vestígios de sua áurea época.



referências:

WHATELY,Maria Celina, O Café em Resende no Século XIX, Ed.José Olympio, Rj, 1987.
______________, Resende, A Cultura Pioneira do Café no Vale do Paraíba, Niterói-RJ :Ed Gráfica La Salle , 2003.
______________, &  Maria Cristina  F.M. Godoy –ARDHIS –Academia Resendense de História.Resende, Cronicas dos Duzentos Anos, Resende-RJ :Ed Gráfica La Salle , 2001.

Jornais e Periódicos da Região

A. Astro Resendense. 1865-1873.
B. O Itatiaia. 1876-1890.
C. “Almanack do Centenário de Rezende para Anno de 1902” – Ed. Typographia e Papelaria “Fonseca” – Resende-1902.

http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/

Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense - INEPAC