A expansão da fronteira agrícola em Resende e as terras
indígenas um breve estudo
Julio Cesar Fidelis Soares
O Vale do Paraíba e a Vila de Resende
entram nesta história primeiramente com a terra que se mostrou atrativa pelo
custo e produtividade, um aspecto importante é a visão ou a protovisão dos
conceitos econômicos de custo de oportunidade nos investimentos. Vários
aspectos técnicos geológicos da terra valeparaibana favoreceram a chegada do
café. Por um lado, num país onde apesar
das vastas quantidades de terras disponíveis, a terra sempre foi um bem
disputadíssimo (principalmente quando eram próximas aos grandes portos), o Vale
do Paraíba oferecia um atrativo fascinante: terras praticamente desocupadas.
Com exceção de algumas pousadas e de uns poucos engenhos de açúcar sem grande
expressão, a mata virgem dominava soberana região. Se a floresta tropical havia
resistido ao colonizador até a passagem do século XVIII para o XIX, a partir
daí os altos preços do café no mercado externo abriu contra ela uma guerra de
vida ou morte. Somente a possibilidade grandiosa de enriquecimento
proporcionada pelo café, fez com que este eliminasse o primeiro dos grandes
riscos que a região impunha a floresta. O desmatamento e as
"coivaras" (as queimadas que os índios faziam em pequena escala)
passaram a fazer parte do cotidiano do Vale. O solo era fértil, sem dúvida.
Como toda floresta recém-cortada, mantinha por um bom tempo ainda seu húmus
além de que as cinzas das queimadas, de imediato, reforçavam esta aparência de
fertilidade permanente. Por outro lado, o café é uma planta extremamente
delicada e exigente, precisando de um clima onde o frio não seja intenso e
também onde o calor não fosse abrasador.
Além disso, exigia que as chuvas não fossem demasiadas, nem escassas e,
de preferência, bem distribuídas o ano inteiro. Essas pré-condições a região
valeparaibana oferecia em abundância e foram atrativos irresistíveis aos
futuros cafeicultores, que naquele momento eram donos de pequenas e médias
propriedades salpicadas pelo vale arqueano.
Mas restava ainda um empecilho à
ocupação definitiva. Foi sempre só interesse do governo português a
distribuição de sesmarias na região do Vale. No entanto, o habitante primitivo
do lugar tornou-se uma grande barreira a esta ocupação, resistindo a invasão.
Mas como no caso do pau-brasil e da cana do Nordeste, quando a possibilidade de
enriquecimento era muito grande, o homem branco era capaz do impossível. Assim,
como no caso da natureza, foi também aberta uma guerra de vida ou morte contra
os índios do Vale. Em Vassouras, depois de violentos combates, os Coroados
foram confinados numa aldeia em Valença,criando o Conservatório de Índios
afastado-os do roteiro do café. Em Resende, conta o historiador da cidade, João
Carneiro de Azevedo Maia, que os Puris como não conseguiram ser derrotados
pelos brancos num primeiro embate, tiveram um fim triste. Pessoas contaminadas
de varíola foram colocadas a banharem-se no rio em que os Puris tiravam água
para beber. Parte da tribo, agora derrotada, partiu para a Serra da
Mantiqueira, rumo a região de Visconde de Mauá e outras, foram confinados num
aldeamento na freguesia de São Vicente Ferrer , criado o aldeamento reserva de
São Luiz Beltrão para os Puris, pelo Capitão e Sargento-mor em comissão Joaquim
Xavier Curado nomeado pelo Vice-Rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza
(1779-1790)hoje é a atual Vila da Fumaça.
Imagem original de São Luiz Beltrão Padroeiro do Aldeamento na freguesia de São Vicente Ferrer.
Segundo Bittencourt é na fazenda
Canha Grande da então freguesia de São Vicente Ferrer que Antonio Bernardes
Bahia, em terras da antiga aldeia dos Puris, Aldeia de São Luiz Beltrão,é que
saíram as primeiras mudas de café que foram plantadas em terras da Província de
São Paulo, mais exatamente em Bananal, onde Antonio Bernardes Bahia tinha
também propriedade,sendo marco e polo irradiador as futuras plantações de café
do Vale do Paraíba Paulista fazendo com que Bananal fosse pioneira no plantio
da rubiácea em terra da Província Paulista. Se o café é primeiro plantado nos
arredores da cidade do Rio, na Floresta da Tijuca (conhecida na época como
"Morro Pelado"), nos anos de 1770, ocupando depois a baixada
Fluminense (região de Nova Iguaçu e Caxias), não será aí que ele mais
prosperará como atividade econômica. Foi com a experiência de Resende e São
João Marcos (cidade hoje não mais existente, pois está submersa na represa de
Furnas), que outras localidades do Vale se interessaram em plantar cafés.
O café percorreu muitos
caminhos, desde o início do século XIX, saindo do Rio, passando por Resende e
S. João Marcos e sendo distribuindo para Valença, Barra Mansa, Vassouras,
Piraí, Paraíba do Sul, passando também para a parte paulista do Vale (Bananal,
Areias, S. José do Barreiro, Lorena, Silveiras) bem como para a parte mineira
(Juiz de Fora, Cataguazes, Leopoldina, Carangola, até Visconde do Rio Branco).
O antigo arraial de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova
(que foi o nome primitivo de Resende), deu os seus sinais de vida lá pelos anos
de 1747 e passou a se chamar Vila de Resende . As primeiras mudas de café,
trazidas pelo padre Antonio do Couto Fonseca
da fazenda do holandês Hoppman no
Rio de Janeiro, foram plantadas, como experiência, na região de São Vicente
Ferrer onde padre Couto tinha terras, depois do confinamento dos índios Puris na aldeia de São Luiz
Beltrão, próximo do mesmo lugar que começaram a plantar os cafezais como já
dissemos. Os motivos que explicam o fato de ser Resende o centro irradiador do
café pelo Vale do Paraíba podem ser muitos e, até hoje foram pouco estudados.
Dentre estes estímulos prováveis, podemos citar: a) os aspectos geográficos da
região do "Campo Alegre" (Resende), que apresentava uma boa baixada,
e um solo propício e um clima favorável; b) a proximidade do Rio de Janeiro,
que funcionaria como porto para a exportação; c) a atuação estimulante do
Marquês do Lavradio, representante do governo de D. João VI que, a partir de
1772, dispensou o serviço militar os habitantes da região que plantassem café.
Portanto, todos estes elementos uniram-se para criar as condições necessárias à
chegada do café por estas paragens.
Em 1802, Resende já era
exportadora de café e, a partir daí, a região sofreria uma grande mudança. O
início do reinado do café começou mudando, aos poucos, toda a economia da
região. Se até antes da chegada do café, os poucos habitantes do arraial e
redondezas do "Campo Alegre", plantavam e beneficiavam um pouco de
cana-de-açúcar, cuidavam de plantações de anil, criavam algum gado (vendendo
alguma carne para Minas e Rio), tudo, a partir do século XIX, estaria sujeito à
novidade cafeeira. Antigas fazendas de gado, engenhos de açúcar e cachaça,
plantações de anil, passavam a plantar. Outras plantações como as de milho,
feijão, arroz e mandioca passaram a alimentar as fazendas de café e as sedes
dos núcleos urbanos dentro de um sistema de apoio e subsistência. Entretanto o
café já impunha o seu poder quase absoluto como cultura comercial destinada a
exportação. Quando a Vila de Resende
passa a ser considerada como cidade em 1848, a região resendense já se
destacava como um dos maiores centros cafeicultores da província. Já estávamos
no Segundo Império e o reinado de D. Pedro II esteve marcado pela expansão do
café pelo Vale, salvando, progressiva e lentamente, o Império da falência
financeira econômica que estava sujeito após a Independência. Ao falarmos em
Império devemos sempre lembrar do café, num outro aspecto fundamental ter
garantido para Império seu sustento político através das elites agrárias e na
escravidão negra e indígena como força motriz daquilo chamaremos de economia
agro-exportadora. Confirmada pela Constituição de 1824 e garantido o tráfico
até 1850, possibilitando a compra maciça de mais braços para lavoura do café
muito embora saibamos que muitos índios eram usados como piões trabalhadores
das lides de algumas fazendas.
fig. 1 - Fazenda Palmital um dos únicos exemplares do final do século XVIII de nossa Região.
No entanto, apesar de toda essa
euforia cafeicultora, a região de Resende nunca ocupará o lugar de maior
produtora de café da Província do Rio de Janeiro. Resende foi grande centro produtor, mas não o
maior. Mesmo que no início do século XIX, seja a Vila de Resende o centro
irradiador do café, espalhando-o por todo o Vale do Paraíba, será Vassouras,
Valença, Paraíba do Sul, Barra Mansa e Piraí que possuirão as maiores fazendas
e também a maior produção com mudas oriundas de nossa região. Uma das maneiras
de compreender este fato é comparar os títulos de nobreza que foram
distribuídos nestas outras localidades do Vale, com aqueles que foram cedidos à
Resende. E o volume de pequenos e médios produtores face aos de outras regiões
do vale.
Os chamados "barões do café"- grandes fazendeiros
que eram ligados diretamente com o governo imperial do Rio de Janeiro - em
Resende foram apenas quatro (Barão de Monte Verde, Barão de Bananal, Visconde
do Salto e Barão de Bela Vista - que depois conseguiu o título de Visconde de
Aguiar Toledo) ; enquanto isso, em Vassouras, por exemplo, foram dezenas de
fazendeiros que obtiveram títulos de barões, condes, marqueses.
Fig.2 Um dos exemplares mais belos da pujança do Café foi construída em 1836 pelo Comendador Antonio de Paula Ramos.
Por outro lado, se a população
de Resende (em 1876) era superior a de Barra Mansa, S. João Marcos, Piraí,
Vassouras, Valença, no entanto os escravos eram muito poucos, apenas nove
mil. Segundo Lamego, Joaquim Souza Breves
- o chamado "rei do café” - era grande proprietário de mais de 25 fazendas
distribuídas por todo o Vale (que morava no Palácio da Grama em S. João
Marcos), produzia 90 mil arrobas de café numa fazenda sua de Arrozal e em outra
de S. João Marcos, 60 mil arrobas, enquanto que na fazenda de S. Vicente Ferrer
(Fumaça) produzia 10 mil arrobas, Breves tinha segundo estudos cerca de 6000
escravos em seu plantel distribuído pelo vale.
fig. 3 Fazenda Vila Forte do Senhor Gabriel Francisco de Mé Junqueira que comprou de um fazendeiro português, o Sr. Bustamante, cerca de 200 alqueires mineiros de terra em Engenheiro Passos, Vila de Resende,Província do Rio de Janeiro, que constituíam as fazendas de Boa Vista e Boa Esperança. Registos históricos da fazenda mencionam já um engenho de açúcar em 1790.
Assim vários aspectos conjunturais formam os motivos que explicam as razões de Resende não ter
alcançado a mesma projeção de Vassouras, Valença ou mesmo Barra Mansa no que
concerne o glamour dos Baronato . Por um lado, as terras no município foram as
primeiras a dar sinais de cansaço, porque em Resende o café chegou primeiro;
por outro lado o café era primeiro levado de barca pelo Rio Paraíba até Barra
do Piraí, para então ser conduzido até o porto em lombo de burro, o que
encarecia o preço do transporte; ou ainda após 1850 com a extinção do tráfico,
a dificuldade de obter escravos mesmo ainda que os pequenos e médios produtores
não utilizassem maciçamente deste recurso, isto lhes trouxeram dificuldades; e
também citamos a praga que deu nos cafezais em 1858 que destruiu grande parte
das lavouras. Ainda assim o café será produzido em Resende até o século XX e
dentro basicamente das pequenas e médias propriedades como originalmente, mas
não mais em grande escala de valor, mas em qualidade dos grãos sendo nossas
produções premiadas em várias exposições
internacionais onde o café era apresentado. Quanto aos índios estes não sumiram
foram se agregando as atividades do campo dentro das suas possibilidades que a
economia lhes proporcionou para sobreviver ao modelo imposto pelo homem branco
colonizador das terras que outrora foram deles.
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