terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

As unidades da Guarda Nacional sediada em Resende no século XIX : a oligarquia em armas.

Palavras chave: Oligarquia- Poder - Guarda Nacional

 O estudo que se segue pretende visualizar o contexto e força política e militar emanada pelos grupos econômicos formados pelos produtores de café que ao se organizarem de forma militarizada mostravam uma outra face do poder econômico vigente na região do Vale do Médio Paraíba e em especial na micro região de Resende na segunda metade do século XIX. Segundo dados históricos do século XIX, a Guarda Nacional era recrutada entre os cidadãos com renda anual superior a 200 mil réis, nas grandes cidades, e 100 mil réis nas demais regiões. Era vista por seus idealizadores como o instrumento apto para a garantia da segurança e da ordem, vale dizer, para a manutenção do espaço da liberdade entre os limites da tirania e da anarquia. Tinha como finalidade defender a Constituição, a liberdade, a independência e a integridade do Império, mantendo a obediência às leis, conservando a ordem e a tranqüilidade pública.
            O Regente Feijó cria a Guarda Nacional no sentido de fortalecimento das elites políticas locais de cada região, pois eram elas que formavam ou dirigiam o Corpo de Guardas, isto demonstrava a total  falta de confiança do governo na fidelidade do Exército.
Uma vez que a força Regular vivia envolvida em discussões políticas e sociais, muitas das vezes totalmente contrárias a ordem estabelecida pelo poder central. É no governo do Regente Feijó que se começa um processo de desmantelamento da estrutura do Exército Regular em prol do fortalecimento local das unidades da Guarda Nacional. Onde a nossa região de Resende, Barra Mansa, Vassouras, Valença, Barra do Piraí e Bananal na Província de São Paulo são exemplos vivos deste passado. Assim, a utilização destas unidades militares é feita com toda sua força, mais política do que militar, a defender o solo pátrio no período de 1864 a 1870, no conflito chamado de Guerra do Paraguai que segundo a versão de alguns historiadores, a razão da guerra seria relacionada aos interesses ingleses, que viam com desagrado a crescente autonomia paraguaia. Sabe-se que havia uma emergente necessidade, por parte do Governo inglês, de desarticular o Paraguai, mantendo o controle econômico sobre a América Latina.
Recentemente a historiografia passou a concentrar-se mais atentamente na situação de cada país envolvido no conflito, bem como nas relações que mantinham entre si sem, entretanto, sem negar a significativa influência do capitalismo inglês, naquela época, na América Latina em especial no Brasil.
Fato que nos leva a curiosidade de estudarmos como tantos outros apectos, dentro desse contexto de relações de poder das unidades, dos corpos de exército que participaram do conflito, mais precisamente a Guarda Nacional. Mas procurando identificar nele um pouco da participação de nossos conterrâneos no maior conflito das Américas. O que não foge a regra o caso de nossos conterrâneos munícipes de Resende no século XIX que participam da luta a partir da organização e alistamento de voluntários iniciada pelos elementos da Guarda Nacional sediada em Resende. Pois segundo o relatório provincial de 1843 que fala da organização dos Corpos da Guarda Nacional em nossa região do Vale do Médio Paraíba Fluminense, mostra que nas  freguesias de  Resende, São Vicente Ferrer e Sant´Anna na Vila de Resende e nas freguesias de Barra Mansa, Amparo e Espírito Santo na Vila de Barra Mansa eram sede do 1º e 2º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional, do 9ª Legião comandada pelo Coronel GN Lucas Antonio Monteiro de Barros, figurando também neste contexto um Batalhão de Infantaria. Pois,o relatório provincial de 1852 nos informa que Resende tendo quadro efetivo suficiente e estando posicionado em região estratégica da Província mostra a importância desse corpo para região. O Corpo de Cavalaria,compunha-se de um efetivo de 350 praças, e ainda havia um batalhão de infantaria de serviço ativo com contingente de 822 homens, além de uma seção de batalhão de reserva com efetivo de 232 praças, perfazendo uma força de 1404 homens.
Falando um pouco do staff das unidades da Guarda Nacional estacionadas em Resende é que apresentamos os dirigentes do então Comando Superior da Guarda Nacional no município.  Tal comando tinha seu estado maior formado pelo Coronel Comandante da GN, Fabiano Pereira Barreto, comendador da Ordem da Rosa, o chefe do Estado Maior era Tenente-Coronel Antonio da Rocha Miranda e Silva, na Ajudância tinha o Major Antonio Alves de Carvalho e José Pereira Barreto. A Secretaria Geral do Comando estava a cargo do Capitão Manoel Dias Carneiro e  a função de Quartel-Mestre era do Capitão Antonio Pereira Barreto. Já o 11º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional  da  Cidade de Resende tinha seu comando nas mãos do Ten. Cel. Joaquim Gomes Jardim, oficial da Imperial Ordem da Rosa,presidente da Câmara em dois mandatos foi grande fazendeiro de Café. No ano de 1853 tal Corpo de Cavalaria tinha quatro companhias de cavalerianos. A Infantaria era representada no município pelo 27º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional cujo comandante era o Tenente Coronel Ladislao José da Fonseca, esta unidade era apoiada pela 12ª Seção de Reserva comandada pelo Major Antonio Pinto Coelho de Barros.  
Na busca de montarmos um quadro que nos dê idéia da força política da GN em na Região do Médio Vale do Paraíba Fluminense é que apresentamos o quadro abaixo:

Distribuição da Guarda Nacional na Província do Rio de Janeiro Região Sul - 1856
COMMANDOS SUPERIORES
CAVALLARIA
ARTILHARIA
INFANTARIA
Corpos
Esquadrões
Companhias Avulsas
Secções
Companhias Avulsas
ACTIVA
RESERVA
Batalhões
Secções
Batalhões
Secções
Parary e Angra dos Reis


1

1
3


1
Valença e Parahyba
2




2

1
2
Rezende
1




1


1
Barra Mansa e Rio Claro
1
1



1
1

1
Pirahy e S. João do Príncipe
2




1


1
Vassouras e Iguaçú
2




2

1
1
In: Secretaria do Governo da província do Rio de Janeiro, 20 de julho de 1856,O Secretário, José Francisco Cardozo

Dentre os 15 comandos Superiores  dentro da Província o de Resende recebeu  a denominação de  sétimo (7º) que se compunha de um corpo de Cavalaria e um Batalhão de Infantaria e Seção de Reserva, criados em 18 de Outubro de 1852 e a seção de reserva em 12 de abril de 1853.  Um ponto interessante do relatório provincial de 1857 é o que ele nos informa quanto a instrução dos Corpos da Guarda Nacional da província:
      “Instrução – Pouca ou quase nenhuma instrução tem tido a guarda nacional da província. Não é possível aos chefes do estado-maior como exige o art.79 da lei nº602, instruir aos corpos a que lhes compete tendo alguns deles companhias na distância de 6,8 e mais lagoas.”[1]

O relatório Provincial  de 1858 chama atenção para o Corpo de Cavalaria de Vassouras  com os seus 501 praças e enfatiza o fato 250 destes já possuírem o primeiro uniforme. É interessante notarmos que quase sempre o provimento de fardamento e armas aos corpos era feito pelos seus dirigentes. Assim com era bem da moda da época, estes primeiros uniformes eram adquiridos importando-os da  França. Então estes fardamentos tinham forte influência dos modelos usados pelo exército imperial de Napoleão. Chamados de Grande Uniformes eram formados em dolman e calças em tom azul  tendo alternativa de uso de calças brancas, a cobertura era uma barretina com penachos nas cores das armas da tradição francesa, cavalaria vermelho e branco, artilharia vermelho e preto e infantaria vermelho. Quando da ocorrência da Guerra da Criméia  o fardamento da Guarda Nacional também sofre influência dos modelos usados pelos países envolvidos no conflito, a exemplo das unidades de Zuavos. Segundo o General Dionísio Cerqueira[2] os uniformes dos zuavos brasileiros tiveram como modelos a vestimenta dos corpos franceses existentes na Argélia. Na cabeça usavam o fez barrete de forma tronco-cônica, geralmente vermelha.



Em 1858 a força ativa e de reserva qualificada pelos comandos superiores da Guarda Nacional na região do Vale do Médio Paraíba Fluminense relativa aos municípios de Resende, Pirahy , São João do Príncipe, Vassouras, Iguassú , Valença e Paraíba do Sul formavam um contingente em armas  de 27193.

 

                       Fonte: Relatório Provincial Rio de Janeiro 1858 p.27

Já no Relatório do ano de 1859 se manteve as reclamações quanto à necessidade e urgência de armamentos, em especial cita a preocupação do Barão de Campo Bello[3] a este respeito uma vez que este era o comandante superior da Guarda Nacional de Vassoura e Iguassú. No ano de 1863 temos a nomeação por decreto de 21 de maio da promoção do alferes Luiz da Rocha Miranda Sobrinho[4] a Tenente Coronel Comandante do 11º esquadrão de Cavalaria da Guarda Nacional estacionado em Resende. Nascido em Resende a 27 de agosto de 1837[5], importante fazendeiro de café e gado nos municípios de Resende e Bananal foi proprietário de lendárias fazendas como a Taquaral, Palmeiras, Serra e Novo Destino. Participou ativamente na organização dos serviços de alistamento voluntariado para os serviços na Guerra do Paraguai, chegando a disponibilizar para força Imperial seus escravos. A importância da Guarda Nacional se mostra quando da organização das unidades de Cavalaria Ligeira, pois segundo estudo de Jose Wasth Rodrigues[6], a maioria dos Corpos de Cavalaria  do Brasil eram constituídos por unidades da Guarda Nacional, assim para os dois regimentos de cavalaria do exército imperial existiam 22 corpos da Guarda Nacional. E para marcarmos a importância destas unidades em termos de força política é que apresentamos o quadro abaixo, ficando claro que a direção dos corpos e esquadrões eram uma prerrogativa das elites locais como elemento de dissuasão contra qualquer forma de desestabilização do poder da corte.
 


    Fonte: Relatório Provincial de 1868 – Guarda Nacional.


A propósito de se constituírem em unidades volumosas em efetivo, o caso é que em termos de armamento para as tropas de linha, o relatório provincial de 1867  nos relata a seguinte condição destas unidades da Guarda Nacional na Província :

“Armamento -  Para o estado de cousas que acabei de descrever, tem contribuído bastante a falta de armamento que sente a Guarda Nacional. Sem artilharia não é possível exercitar-se a respectiva arma. Sem tambores, e fuzil não se pode exigir serviço dos batalhões de infantaria. E finalmente sem espadas e clarins impossível é instruir-se os corpos de cavallaria.[...]”[7]


Mesmo dentro deste cenário de dificuldades materiais vemos  em  Resende daquele tempo uma organização forte que contava com representação de inúmeros cafeicultores, com as maiores e mais fortes fontes de renda de nossa região.  Sabemos que Resende nestes tempos de Guerra do Paraguai não era mais o maior produtor de café, porém se mantinha com uma produção cafeeira que somava  487.500 arrobas para ano 1868 o que correspondia a 6,28 % da produção da província[8]. Ao pesquisarmos vimos que o comandante Superior da Guarda Nacional em Resende, Coronel Fabiano Pereira Barreto em sua propriedade de café produziu  10.000 arrobas, já o comandante do 11º Corpo de Cavalaria  da Província, o Tenente Coronel Luiz da Rocha Miranda Sobrinho em sua fazenda  Taquaral teve a produção de 6.000 arrobas, a 1ª Companhia de Cavalaria era comandada pelo Capitão Domingos Gomes Jardim  proprietário de fazenda em Campo Bello (hoje Itatiaia), propriedade esta que produzia 2.500 @.
O café era  base de nossa economia, ao mesmo tempo em que preservava aspectos do passado colonial caracterizado por forte base escravista e calcada no latifúndio, tornava nossa economia mais dinâmica, estimulando a construção de ferrovias e portos, além de criar condições favoráveis para o crescimento de outros empreendimentos como bancos, atividades ligadas ao comércio interno e uma série de iniciativas empresariais.  Este avanço criou e deu poder econômico e político a estes cafeicultores. Segundo Maria Fernanda Vieira Martins em seu estudo sobre Redes de Poder: o conselho de estado e a elite imperial 1842-1889, nos explica que a monarquia constitucional brasileira construiu-se a partir de um longo processo de organização de uma autoridade central, no qual a instituição do Conselho de Estado teve papel fundamental na conciliação dos interesses das elites com a manutenção do poder Imperial. E ainda dentro do mesmo estudo é que nos esclarece que é na noção de rede que complementa a compreensão do sentido de elite e suas relações quer individuais quer em cadeia de relacionamentos. Assim, os membros desse  Conselho de Estado, integravam diferentes redes de relacionamentos que se perpetuavam e se reconstruíam no país desde o século XVIII, tendo como base de referência antigas famílias e sua aliança clientelares.[9]
Na Resende do século XIX é patente essa cultura e forma de atuar da elite local onde procuravam participar do aparato político-administrativo do império. E isto fica bem evidente quando tratamos do caso dos quadros da Guarda Nacional ,pois ilustram bem a demonstração de poder e força  dessa elite  ocupando os cargos militares-adminstrativo deste corpo de guardas de elite que se colocavam como defensores do império. 
É nesse contexto, que o capital cafeeiro e o poder político de um indivíduo correspondiam não apenas a seu status, mas ainda relacionavam-se à sua capacidade de oferecer  e  retribuir benefícios , concessões e privilégios , em um amplo esquema de trocas cuja função estruturante se verificava em um nível mais básico e cotidiano das relações de poder. Na prática, consistiam em apectos informais e conviver com as estruturas formais de ordenação política e social, transformando-se progressivamente em práticas marginais na proporção em qe se complexificava o aparelho de controle e adminstração do Estado[10].  A exemplo do que foi dito temos um documento que relata da necessidade de recurso para construção de uma estrada que ligaria a Vila de Resende até a povoação de Ariró. Obra esta que estaria sob diligência do Capitão da GN Domingos Gomes Jardim.

Fig.1 – Correspondência da Câmara Municipal Construção da Estrada do Ariró /Outubro de 1833.

 Em outro documento que pesquisamos, datado de 1831,  achamos uma petição direta do gabinete do Regente  Feijó através da Secretaria de Estado dos Negócios e Finanças mandando a  então  Câmara da Vila de Resende preparar a partir dos Livros dos Juizes de Paz  a matricula dos cidadãos que deveriam ser alistados para compor os quadros da Guarda Nacional.



Fig. 2 – Correspondência Gabinete da Regência – 9 de Setembro de 1831 assinada
pelo Regente Pe. Diogo Antonio Feijó.

Concluindo o artigo, enfatizo o fato da necessidade de novas pesquisas sobre a formação econômica da região do médio Vale do Paraíba Fluminense, elemento de extrema importância para entendermos  a Formação Econômica do Brasil a luz de um novo modelo historiográfico que considere as relações de poder regionalmente e as dinâmicas econômicas vividas por cada recanto do Vale do Paraíba, pois pela historiografia clássica as cidades locais tinham uma pequena relação com as fazendas e a riqueza girava em torno destas e não daquelas, o que no caso de Resende podemos ver exatamente o contrário; com a formação de um grupo bem destacado de pequenos e médios produtores ativos politicamente, ocasionando uma distribuição de renda bem diferente do que se poderia imaginar face as grandes propriedades. Tudo isto no período em que o Brasil era o Império do Café, mesmo quando o processo econômico brasileiro se desenvolvia nas condições de economia incipiente nos moldes de um capitalismo tardio, com traços coloniais, dependente e mercantilista, ainda que no século XIX o mercantilismo já tivesse sido superado como modelo internacional, os pequenos e médios cafeicultores coexistiam, agiam e interagiam no tão afamado mundo das grandes propriedades, formando neste caso um contingente com poder político e econômico.  Pois fazendo parte ativa dos Corpos da Guarda Nacional se viam como  verdadeiros  baluartes da independência e a integridade do Império  e braço de Sua Majestade Imperial Defensor Perpétuo do Brasil .



[1] Relatório Provincial de 1857 § X p.22 Rio de Janeiro.
[2] Cerqueira, Dionísio. Reminisciências da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, 1949.

[3] Laureano Correia e Castro, 1º barão de Campo Belo (* 25.02.1790   + 08.01.1861),foi Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional de Vassouras e Iguassú, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Comendador da Ordem da Rosa. O título de Barão lhe foi agraciado em 1854 pelo Imperador Dom Pedro II.

[4] Em 1867 é agraciado com o título de Barão de Bananal, tornando-se o primeiro resendense a conquistar um título de nobreza.
[5] Pesquisa recente publicada no XXII Simpósio de História do Vale do Paraíba nos mostra que Luiz da Rocha Sobrinho,o Barão de Bananal nasceu em 27 de Agosto de 1836 e não no dia 7. Lia Andrade Quintanilha Pinto e Marco Antonio Marucco Pinto – Pesquisa genealógica /Agosto de 2008.
[6] Rodrigues,Jose Wasth , Uniformes do Exercito Brasileiro – Ed.Especial Ministério da Guerra -1922.
[7] Relatório Provincial – Província do  Rio de Janeiro  1867 Guarda Nacional – p.26
[8] Em 1868 a produção em arrobas  de café exportado passado pela mesa provincial do Rio de Janeiro foi de 7.755.790@
   Fonte: Taunay, Affonso E. Historia do Café do Brasil.Rio de Janeiro DNC 1939 V.3 tomo I p.52
[9] E.Grendi.Paradossi della storia contemporânea, In Aa.Vv.Dieci Interventi sula storia sociale,Torino: Rosenberg&Sellier.1981 p.73
[10] Angela Barreto Xavier e Antonio Manuel Hespanha.  As Redes Clientelares. In Jose Mattoso(dir)História de Portugal .Lisboa :Estampa ,1998,V.4 O Antigo Regime(1629-1807), A Arquitetura dos Poderes.p.339

2 comentários:

  1. gostaria de saber em que condições alguns fazendeiros recebiam titulos militares, no seculo XIX, no Vale Do Paraiba?

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  2. Há mais informações sobre o Major Antonio Alves de Carvalho?

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